Encontro Mundial das Famílias: Jubileu das Famílias
Em Roma, Itália: outubro de 2000
No Ano 2000, para celebrar o Jubileu da Encarnação, o papa João Paulo II, promoveu vários encontros setoriais a que deu também o nome de «Jubileu». Assim decorreu o III Encontro Mundial das Famílias (outubro de 2000, em Roma, Itália) como «Jubileu das Famílias». No discurso de acolhimento, o Papa recordou o tema do encontro — «Os filhos: primavera da família e da sociedade» — explicitando que «os filhos são 'primavera' [...], representam o florescimento do amor conjugal». As dificuldades vividas pelas crianças motivadas pelas mais diversas causas foram também abordadas: «às vezes os filhos são sentidos mais como uma ameaça do que como uma dádiva». Também em relação às famílias em crise, «desfeitas», João Paulo II recordou que «a Igreja não se sente chamada a expressar um juízo severo e desinteressado, mas antes a fazer penetrar a luz da palavra de Deus em tantos dramas humanos, acompanhada do testemunho da sua misericórdia». Por fim, convidou os pais e as mães a proclamarem sempre o «valor da família e o respeito da vida humana».
1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, caríssimas famílias aqui reunidas das mais diversificadas regiões do mundo! Saúdo também as famílias que, debaixo de todos os céus, se encontram agora unidas a nós mediante a rádio e a televisão, associando-se a este Jubileu das Famílias. [...]
Recentemente, tive a alegria de ir como peregrino a Nazaré, o lugar onde o Verbo se fez carne. Nessa visita levei todos vós no meu coração, rezando com ardor por vós à Sagrada Família, sublime modelo de todas as famílias.
E é precisamente o clima espiritual da Casa de Nazaré que desejamos reviver nesta noite. O grande espaço que nos congrega, entre a Basílica e a colunata de Bernini, serve-nos de casa, uma grande casa ao ar livre. Aqui reunidos como uma verdadeira família, «um só coração e uma só alma» (cf. Atos 4, 32), podemos intuir e fazer nosso o sabor doce e íntimo daquela casa humilde, onde Maria e José viviam entre oração e trabalho, e Jesus «lhes era submisso» (Lucas 2, 51), tomando gradualmente parte na vida comum.
2. Olhando para a Sagrada Família, casais cristãos, sois estimulados a interrogar-vos acerca das tarefas que Cristo vos confia, na vossa maravilhosa e comprometedora vocação.
Por isso, o tema do vosso Jubileu — «Os filhos: primavera da família e da sociedade» — pode oferecer-vos sugestões significativas. Não são precisamente as crianças que fazem uma espécie de «exame» contínuo aos pais? Não o fazem apenas com os seus frequentes «por quê?», mas com o seu próprio rosto, ora risonho, ora velado pela tristeza. Como que inscrito em todo o seu modo de ser há um interrogativo, que se exprime das maneiras mais diversas, por vezes mesmo através dos caprichos, e que poderíamos traduzir em perguntas como estas: mãe, pai, amais-me? Sou verdadeiramente um dom para vós? Aceitais-me como sou? Esforçais-vos por fazer sempre o meu bem genuíno?
Talvez estas perguntas se façam mais com os olhos que com as palavras, mas elas obrigam os pais à sua grande responsabilidade e, de certa forma, são-lhes o eco da voz de Deus.
3. Os filhos são «primavera»: qual é o significado desta metáfora escolhida para o vosso Jubileu? Ela leva-nos para aquele horizonte de vida, de cores, de luz e de cântico que é próprio da estação primaveril. Os filhos são tudo isto por natureza. Eles são a esperança que continua a florescer, um projecto que recomeça permanentemente, o porvir que se abre de forma incessante.
Representam o florescimento do amor conjugal, que neles se encontra e se consolida. Ao nascerem, trazem uma mensagem de vida que, em última análise, remete para o próprio Autor da vida. Necessitados de tudo como eles são, de maneira especial nas primeiras fases da existência, constituem naturalmente um apelo à solidariedade.
Não foi por acaso que Jesus convidou os discípulos a terem um coração de crianças (cf. Marcos 10, 13-16). Dilectas famílias, hoje quereis dar graças pelo dom dos filhos e, ao mesmo tempo, receber a mensagem que Deus vos transmite através da sua existência.
4. Infelizmente, como bem sabemos, a situação das crianças no mundo nem sempre é aquela que deveria ser. Em muitas regiões, e paradoxalmente nos países de maior bem-estar, ter filhos tornou-se uma opção decidida com grande perplexidade, muito além da prudência que é justamente necessária para uma procriação responsável. Dir-se-ia que às vezes os filhos são sentidos mais como ameaça que como dádiva.
Depois, o que dizer do outro triste cenário da infância ultrajada e explorada, para o qual chamei a atenção inclusivamente na Carta às Crianças?
Porém, nesta noite encontrais-vos aqui para dar testemunho da vossa convicção, fundamentada na confiança em Deus, de que é possível inverter esta tendência. Estais aqui reunidos para uma «festa da esperança», fazendo vosso o «realismo» concreto desta virtude cristã fundamental.
5. Com efeito, a situação das crianças constitui um desafio para a sociedade inteira, um desafio que interpela diretamente as famílias. Ninguém mais que vós, estimados pais, pode constatar quanto é essencial para os filhos poderem contar convosco, com ambas as vossas figuras paterna e materna na complementaridade dos vossos dons. Não, não é um passo em frente na civilização secundar tendências que obscurecem esta verdade elementar e pretendem afirmar-se também a nível legal.
Não são porventura as crianças já demasiado penalizadas pelo flagelo do divórcio? Como é triste para uma criança ter de se resignar a dividir o seu amor entre pais em conflito! Muitos filhos ficarão psicologicamente marcados para sempre devido à provação a que a divisão dos pais os submeteram.
6. Diante de inúmeras famílias desfeitas, a Igreja não se sente chamada a expressar um juízo severo e desinteressado, mas antes a fazer penetrar a luz da palavra de Deus em tantos dramas humanos, acompanhada do testemunho da sua misericórdia. Este é o espírito com que a pastoral familiar procura enfrentar também as situações dos fiéis que divorciaram e voltaram a casar-se. Eles não são excluídos da comunidade; pelo contrário, são convidados a participar na sua vida, percorrendo um caminho de crescimento no espírito das exigências evangélicas. Sem deixar de lhes revelar a verdade acerca da desordem moral objectiva em que se encontram e das consequências que daí derivam para a prática sacramental, a Igreja pretende demonstrar-lhes toda a sua proximidade maternal.
Cônjuges cristãos, estai certos disto: o Sacramento do matrimónio garante-vos a graça necessária para perseverardes no amor recíproco, do qual os vossos filhos têm tanta necessidade quanto do pão.
Hoje sois chamados a interrogar-vos sobre esta profunda comunhão entre vós, enquanto pedis a abundância da misericórdia divina.
7. Ao mesmo tempo, não podeis evitar o interrogativo essencial sobre a vossa missão de educadores. Tendo dado a vida aos vossos filhos, estais comprometidos também em acompanhá-los nas orientações e opções de vida, da maneira apropriada à sua idade, garantindo-lhes todos os seus direitos.
No nosso tempo, o reconhecimento dos direitos da criança conheceu um progresso indubitável, mas ainda é motivo de aflição a negação prática destes direitos, como se manifesta em numerosos e terríveis atentados contra a sua dignidade. É preciso vigiar, a fim de que o bem da criança seja colocado sempre em primeiro lugar. Desde o momento em que se deseja ter um filho. A tendência a recorrer a práticas moralmente inaceitáveis na geração trai a absurda mentalidade de um «direito ao filho», que tomou o lugar do justo reconhecimento de um «direito do filho» a nascer e depois a crescer de maneira plenamente humana. Como é diversa e meritória, ao contrário, a prática da adopção! Um verdadeiro exercício de caridade, que visa o bem dos filhos antes das exigências dos pais.
8. Caríssimos, comprometamo-nos com todas as nossas forças, em defender o valor da família e o respeito da vida humana, desde o momento da conceção. Trata-se de valores que pertencem à «gramática» fundamental do diálogo e da convivência humana entre os povos. Formulo votos veementes por que tanto os governos e os parlamentos nacionais como as Organizações internacionais e, de modo particular, a Organização das Nações Unidas, não deixem que esta verdade se extravie. A todos os homens de boa vontade, que acreditam nestes valores, peço que unam eficazmente os próprios esforços, para que eles prevaleçam na prática da vida, nas orientações culturais e nos mass media, nas opções políticas e nas legislações dos povos.
9. A vós, queridas mães, que tendes dentro de vós um instinto incoercível pela defesa da vida, dirijo um sentido apelo: sede sempre fonte de vida, nunca de morte!
A vós, pais e mães, digo: fostes chamados para a excelsa missão de colaborar com o Criador na transmissão da vida (cf. Carta às Famílias, 8); não tenhais medo da vida! Proclamai juntos o valor da família e da vida, pois sem estes valores, não há um futuro digno do homem!
O maravilhoso espectáculo das vossas tochas acesas nesta Praça vos acompanhe por muito tempo, como um sinal d'Aquele que é a Luz e vos chama a iluminar com o vosso testemunho o caminho da humanidade pelas vias do novo milénio!
© Copyright 2000 - Libreria Editrice Vaticana — www.vatican.va —
1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, caríssimas famílias aqui reunidas das mais diversificadas regiões do mundo! Saúdo também as famílias que, debaixo de todos os céus, se encontram agora unidas a nós mediante a rádio e a televisão, associando-se a este Jubileu das Famílias. [...]
Recentemente, tive a alegria de ir como peregrino a Nazaré, o lugar onde o Verbo se fez carne. Nessa visita levei todos vós no meu coração, rezando com ardor por vós à Sagrada Família, sublime modelo de todas as famílias.
E é precisamente o clima espiritual da Casa de Nazaré que desejamos reviver nesta noite. O grande espaço que nos congrega, entre a Basílica e a colunata de Bernini, serve-nos de casa, uma grande casa ao ar livre. Aqui reunidos como uma verdadeira família, «um só coração e uma só alma» (cf. Atos 4, 32), podemos intuir e fazer nosso o sabor doce e íntimo daquela casa humilde, onde Maria e José viviam entre oração e trabalho, e Jesus «lhes era submisso» (Lucas 2, 51), tomando gradualmente parte na vida comum.
2. Olhando para a Sagrada Família, casais cristãos, sois estimulados a interrogar-vos acerca das tarefas que Cristo vos confia, na vossa maravilhosa e comprometedora vocação.
Por isso, o tema do vosso Jubileu — «Os filhos: primavera da família e da sociedade» — pode oferecer-vos sugestões significativas. Não são precisamente as crianças que fazem uma espécie de «exame» contínuo aos pais? Não o fazem apenas com os seus frequentes «por quê?», mas com o seu próprio rosto, ora risonho, ora velado pela tristeza. Como que inscrito em todo o seu modo de ser há um interrogativo, que se exprime das maneiras mais diversas, por vezes mesmo através dos caprichos, e que poderíamos traduzir em perguntas como estas: mãe, pai, amais-me? Sou verdadeiramente um dom para vós? Aceitais-me como sou? Esforçais-vos por fazer sempre o meu bem genuíno?
Talvez estas perguntas se façam mais com os olhos que com as palavras, mas elas obrigam os pais à sua grande responsabilidade e, de certa forma, são-lhes o eco da voz de Deus.
3. Os filhos são «primavera»: qual é o significado desta metáfora escolhida para o vosso Jubileu? Ela leva-nos para aquele horizonte de vida, de cores, de luz e de cântico que é próprio da estação primaveril. Os filhos são tudo isto por natureza. Eles são a esperança que continua a florescer, um projecto que recomeça permanentemente, o porvir que se abre de forma incessante.
Representam o florescimento do amor conjugal, que neles se encontra e se consolida. Ao nascerem, trazem uma mensagem de vida que, em última análise, remete para o próprio Autor da vida. Necessitados de tudo como eles são, de maneira especial nas primeiras fases da existência, constituem naturalmente um apelo à solidariedade.
Não foi por acaso que Jesus convidou os discípulos a terem um coração de crianças (cf. Marcos 10, 13-16). Dilectas famílias, hoje quereis dar graças pelo dom dos filhos e, ao mesmo tempo, receber a mensagem que Deus vos transmite através da sua existência.
4. Infelizmente, como bem sabemos, a situação das crianças no mundo nem sempre é aquela que deveria ser. Em muitas regiões, e paradoxalmente nos países de maior bem-estar, ter filhos tornou-se uma opção decidida com grande perplexidade, muito além da prudência que é justamente necessária para uma procriação responsável. Dir-se-ia que às vezes os filhos são sentidos mais como ameaça que como dádiva.
Depois, o que dizer do outro triste cenário da infância ultrajada e explorada, para o qual chamei a atenção inclusivamente na Carta às Crianças?
Porém, nesta noite encontrais-vos aqui para dar testemunho da vossa convicção, fundamentada na confiança em Deus, de que é possível inverter esta tendência. Estais aqui reunidos para uma «festa da esperança», fazendo vosso o «realismo» concreto desta virtude cristã fundamental.
5. Com efeito, a situação das crianças constitui um desafio para a sociedade inteira, um desafio que interpela diretamente as famílias. Ninguém mais que vós, estimados pais, pode constatar quanto é essencial para os filhos poderem contar convosco, com ambas as vossas figuras paterna e materna na complementaridade dos vossos dons. Não, não é um passo em frente na civilização secundar tendências que obscurecem esta verdade elementar e pretendem afirmar-se também a nível legal.
Não são porventura as crianças já demasiado penalizadas pelo flagelo do divórcio? Como é triste para uma criança ter de se resignar a dividir o seu amor entre pais em conflito! Muitos filhos ficarão psicologicamente marcados para sempre devido à provação a que a divisão dos pais os submeteram.
6. Diante de inúmeras famílias desfeitas, a Igreja não se sente chamada a expressar um juízo severo e desinteressado, mas antes a fazer penetrar a luz da palavra de Deus em tantos dramas humanos, acompanhada do testemunho da sua misericórdia. Este é o espírito com que a pastoral familiar procura enfrentar também as situações dos fiéis que divorciaram e voltaram a casar-se. Eles não são excluídos da comunidade; pelo contrário, são convidados a participar na sua vida, percorrendo um caminho de crescimento no espírito das exigências evangélicas. Sem deixar de lhes revelar a verdade acerca da desordem moral objectiva em que se encontram e das consequências que daí derivam para a prática sacramental, a Igreja pretende demonstrar-lhes toda a sua proximidade maternal.
Cônjuges cristãos, estai certos disto: o Sacramento do matrimónio garante-vos a graça necessária para perseverardes no amor recíproco, do qual os vossos filhos têm tanta necessidade quanto do pão.
Hoje sois chamados a interrogar-vos sobre esta profunda comunhão entre vós, enquanto pedis a abundância da misericórdia divina.
7. Ao mesmo tempo, não podeis evitar o interrogativo essencial sobre a vossa missão de educadores. Tendo dado a vida aos vossos filhos, estais comprometidos também em acompanhá-los nas orientações e opções de vida, da maneira apropriada à sua idade, garantindo-lhes todos os seus direitos.
No nosso tempo, o reconhecimento dos direitos da criança conheceu um progresso indubitável, mas ainda é motivo de aflição a negação prática destes direitos, como se manifesta em numerosos e terríveis atentados contra a sua dignidade. É preciso vigiar, a fim de que o bem da criança seja colocado sempre em primeiro lugar. Desde o momento em que se deseja ter um filho. A tendência a recorrer a práticas moralmente inaceitáveis na geração trai a absurda mentalidade de um «direito ao filho», que tomou o lugar do justo reconhecimento de um «direito do filho» a nascer e depois a crescer de maneira plenamente humana. Como é diversa e meritória, ao contrário, a prática da adopção! Um verdadeiro exercício de caridade, que visa o bem dos filhos antes das exigências dos pais.
8. Caríssimos, comprometamo-nos com todas as nossas forças, em defender o valor da família e o respeito da vida humana, desde o momento da conceção. Trata-se de valores que pertencem à «gramática» fundamental do diálogo e da convivência humana entre os povos. Formulo votos veementes por que tanto os governos e os parlamentos nacionais como as Organizações internacionais e, de modo particular, a Organização das Nações Unidas, não deixem que esta verdade se extravie. A todos os homens de boa vontade, que acreditam nestes valores, peço que unam eficazmente os próprios esforços, para que eles prevaleçam na prática da vida, nas orientações culturais e nos mass media, nas opções políticas e nas legislações dos povos.
9. A vós, queridas mães, que tendes dentro de vós um instinto incoercível pela defesa da vida, dirijo um sentido apelo: sede sempre fonte de vida, nunca de morte!
A vós, pais e mães, digo: fostes chamados para a excelsa missão de colaborar com o Criador na transmissão da vida (cf. Carta às Famílias, 8); não tenhais medo da vida! Proclamai juntos o valor da família e da vida, pois sem estes valores, não há um futuro digno do homem!
O maravilhoso espectáculo das vossas tochas acesas nesta Praça vos acompanhe por muito tempo, como um sinal d'Aquele que é a Luz e vos chama a iluminar com o vosso testemunho o caminho da humanidade pelas vias do novo milénio!
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