CELEBRAR O DOMINGO VIGÉSIMO QUARTO
O itinerário de Marcos sugere uma nova etapa inaugurada com a questão que Jesus Cristo coloca aos discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou? […] E vós, quem dizeis que Eu sou?» (evangelho). A confissão de fé de Pedro é notável: «Tu és o Messias». Contudo, no momento seguinte, rejeita a possibilidade da Paixão que Jesus Cristo anuncia. É difícil o compromisso de tomar a (própria) cruz, como nos é pedido. Aceitá-lo é confiar, é «andar» na presença de Deus (salmo). Mas se o recusamos, que valor tem a nossa fé (segunda leitura)? Vale a pena, por isso, meditar na fidelidade do servo descrita por Isaías (primeira leitura) para fazer o ponto da situação sobre a nossa fidelidade a Deus…
«Deus vem em meu auxílio»
O texto da primeira leitura proposta para o vigésimo quarto domingo (Ano B) apresenta o início do terceiro dos «cânticos do Servo de Yahveh». São poemas recolhidos na segunda parte do livro de Isaías (capítulos 40 a 55).
O servo de Deus fala de um profundo incómodo provocado por maus-tratos físicos e morais: «Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam». Ao mesmo tempo, expressa uma profunda confiança: «Deus veio em meu auxílio». Seguem-se três perguntas que denunciam a injustiça dos maus-tratos e o reforço da confiança em Deus: «Pretende alguém instaurar-me um processo? […] Quem é o meu adversário? […] Quem ousará condenar-me?».
Sobre o servo, não se diz quem é, nem quem são os seus algozes, nem os motivos pelos quais é maltratado. Infelizmente, é habitual que os «servos» de Deus tenham a vida em perigo, dado que a verdade de Deus nem sempre é concorde com a maneira como os seres humanos entendem a realidade.
Tudo o que é dito sobre o servo, neste fragmento profético, aponta para Deus: a missão é-lhe confiada por Deus — «O Senhor Deus abriu-me os ouvidos» — e o próprio sabe que Deus está com ele: «sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. […] Deus vem em meu auxílio».
A Igreja desde sempre vê neste «servo» a figura de Jesus Cristo: a sua postura não será do agrado de muitos que lhe hão de infligir sofrimentos e até a morte. Mas, mesmo nessas circunstâncias, mantém-se servo confiante e fiel.
O «servo», apesar da oposição, não desiste porque, maior do que a hostilidade, é a sua confiança em Deus. Do mesmo modo, para o cristão, qual servo, a «fé vivida» exprime-se em ações que passam por «tomar a cruz» para seguir Jesus Cristo. Contra o que algumas (muitas?) vezes escutamos, isto não significa que Deus queira ou provoque o sofrimento. Se assim fosse, não seria Deus, mas um ídolo sanguinário e cruel. «Ainda hoje, Cristo confronta-nos, desafia-nos e diz-nos que temos de carregar a nossa cruz e levar os nossos fardos, mas isso é muito diferente de afirmar que o Pai, o Filho e o Espírito nos enviam as cruzes e nos colocam fardos às costas» (Richard Leonard, Onde diabo está Deus?, ed. Paulinas). Deus vem em nosso auxílio (no sofrimento)!