Nihil Obstat — blogue de Martín Gelabert Ballester

Na Eucaristia, a comunidade cristã solidariza-se com aqueles que nos precederam sob o signo da fé e foram acolhidos no seio de Deus. A festa do dia dois de novembro convida-nos a reavivar a esperança que nos assegura que, apesar dos nossos familiares e amigos já terem deixado este mundo, não nos deixaram a nós, nem nós a eles.
A festa de dois de novembro também nos convida a pensar na morte. A morte dá que pensar. Faz-nos ter em conta a finitude do ser humano, mas também coloca a pergunta sobre a possível transcendência do humano. Isto manifesta-se no facto de nós, humanos, tratarmos os mortos com respeito, não os deixamos abandonados. Quando alguém morre, os seus encarregam-se de celebrar alguma cerimónia ou de partilhar recordações. Aquele que morreu não é um qualquer, é alguém único, irrepetível. E, nas cerimónias fúnebres, que são tão antigas como os seres humanos, subjaz a pergunta sobre a possível permanência do defunto. Até no mundo laico e secular se ouve a expressão, referindo-se ao defunto: «lá onde está» (mas em que ficamos: está enterrado ou «lá onde está»?).
Há uma relação perversa com a morte. Por um lado, é objeto de repulsa e de medo e fazemos qualquer coisa para a evitar. Contudo, na sociedade contemporânea, a morte adquiriu novos rostos. Na noite de 31 de outubro, celebra-se a festa do Halloween. Assim, a morte é motivo de riso, farra, diversão. Em muitas cidades espanholas aparecem adornos, colocados pelas autoridades públicas, para se divertirem à custa da morte. Os bares e as discotecas oferecem todo o tipo de festas para atrair clientes desejosos de rir e brincar com a morte, não sei se para esquecer outras mortes mais reais e lacerantes que os atormentam todos os dias e que se resumem na fragilidade da existência.
As imagens da televisão ou do cinema mostram outra vertente na relação com a morte. As crianças passam o tempo com videojogos onde abundam as execuções. Os adolescentes brincam com a morte pelo prazer da velocidade, da competição ou com o uso de estupefacientes que lhes destroem a vida. Os adultos recorrem às guerras, à violência conjugal, às rivalidades étnicas. Os humanos gostam de se guerrear. Há pessoas religiosas que colocam o sacrifício no centro das suas práticas, uma espécie de execução e de desprezo pelo corpo. São muitas, demasiadas, as realidades que negam o valor da vida.
O cristão acredita na vida. Por isso, espera a ressurreição dos mortos. Esta consideração fundamenta-se no amor e no poder de Deus, o único que pode dar vida a um morto, tal como pode fazer surgir coisas do nada. Esta fé deve fazer-nos críticos com tudo o que, de um modo ou de outro, atenta contra vida e a dignidade da pessoa. Positivamente, esta fé faz-nos viver de outra maneira, seguindo os passos de Cristo, o Vivente por excelência.

© Martín Gelabert Ballester, OP

© tradução e adaptação de Laboratório da fé, 2014
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Nihil obstat - www.laboratoriodafe.net
Martín Gelabert Ballester, frade dominicano, nasceu em Manacor (Ilhas Baleares) e reside em Valencia (Espanha). É autor do blogue «Nihil Obstat» (em espanhol), que trata de questões religiosas, teológicas e eclesiais. Pretende ser um espaço de reflexão e diálogo. O autor dedica o seu tempo à pregação e ao ensino da teologia, especialmente antropologia teológica e teologia fundamental. 
Outros artigos publicados no Laboratório da fé


Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 4.11.14 | Sem comentários
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