ANO CRISTÃO
O Secretariado de Liturgia da diocese do Porto, num artigo do jornal «Voz Portucalense» (2 de janeiro de 2013) evoca o tema da luz, relacionando o tempo de Natal com a celebração da Páscoa: a luz natalícia, característica do Natal e da Epifania, aponta para a «apoteose que acontece na Páscoa, na noite santa, em que Cristo, a luz do mundo, sem ocaso, ilumina e se reflete sobre todas as coisas». Entretanto, entre um e outro acontecimento situa-se a festa da Apresentação de Jesus no Templo (2 de fevereiro), onde de novo se destaca o tema da luz. «A celebração litúrgica, na sua rica gramática simbólica, dá um lugar de relevo à luz, de modo muito especial, na Páscoa e no Natal. O símbolo da luz introduz-nos na participação do mistério de Cristo. Neste sentido, se compreendem as velas que colocamos no altar, o Círio pascal que preside às celebrações principais, a lâmpada que arde diante do Santíssimo Sacramento, as velas que levamos nas procissões, a vela que se acende no batismo, na profissão de fé, o círio que se coloca diante do féretro, etc. A nossa existência, ritmada pela luz, manifesta-se, marcada por Cristo que diz: 'Eu sou a luz do mundo… Vós sois a luz do mundo!'».
A liturgia também se compreende como um jogo de luz. Desde a orientação das igrejas, os estilos arquitetónicos, a própria ação litúrgica, os ritos, os tempos litúrgicos e os lugares, etc., não são alheios aos fenómenos cósmicos, mas inserem-se, neles, num realismo impressionante, repleto de sentido. Por isso, podemos dizer que estão marcados por este jogo da luz. Neste sentido, o Natal volta-se para a Páscoa: a luz que surge, estabelece um ritmo que aponta para a sua apoteose que acontece na Páscoa, na noite santa, em que Cristo, a luz do mundo, sem ocaso, ilumina e se reflete sobre todas as coisas, ao longo de todo o ano (ano litúrgico) e celebrações (celebrações litúrgicas).
«Santo é o dia que nos trouxe a luz. Vinde, adorai o Senhor. Hoje, uma grande luz desceu sobre a terra». Assim cantámos no Natal, evocando a luz que veio para «o povo que andava nas trevas» (Isaías 9, 2), o esplendor da glória do Senhor que envolveu os pastores (Lucas 2, 9), Cristo, esplendor da glória do Pai (Hebreus 1, 3), Vida, luz dos homens (João 1, 4), Luz que resplandece em Jerusalém, que conduz as nações e os reis (Isaías 60, 1.3), estrela que guia os Magos (Mateus 2, 2), etc.
O Natal e a Epifania são, com efeito, festas da Luz. Quarenta dias, após as festas natalícias, lembrando o acontecimento luminoso, se evoca Cristo luz «para iluminar as nações» que, vindo ao encontro do seu povo fiel, é a luz verdadeira que não tem ocaso. Nesse dia (2 de fevereiro), o povo reúne-se, acende as velas e o sacerdote abençoa a luz. O povo encaminha-se para a igreja com as velas acesas.
«Aqui temos um símbolo, belo e expressivo, entre muitos: a vela. Não te digo nada de novo, aliás; com certeza já o sentiste muitas vezes. Repara como ela se ergue no candelabro. Assenta o pé largo e pesado. O fuste ergue-se seguro. A vela levanta-se bem apertada e circundada pela arandela (aparador) bem espalmada. A sua figura vai-se adelgaçando ligeiramente; firmemente modelada por mais que suba. Assim está no espaço, esbelta, em pureza imaculada e cor levemente acentuada, distinta, por uma forma clara, de toda a mistura. Suspensa ao alto, está a chama e nela transforma a vela, o seu corpo puro em radiante luz. Diante dela não sentes acordar qualquer coisa de nobre?! Vê como está ali, imperturbável no seu posto, atirada ao alto, pura e honrosa. Nota como tudo nela se proclama: 'Estou pronta!'. Como ela está onde deve, diante de Deus. Nada nela foge e nada se subtrai. Tudo, límpida prontidão. E, em seu determinismo, consome-se incessantemente em luz e ardor. Talvez digas: 'que sabe disso a vela? Se ela não tem alma!'. Pois dá-lhe tudo! Deixa que se torne expressão tua. Faz com que, diante dela, desperte toda a disposição nobre: 'Senhor, aqui me tens!'. Sentirás, então, a sua atitude esbelta e pura, como expressão do teu próprio sentimento. Faz com que toda a tua disposição se robusteça de modo a atingir a felicidade indefectível. Então sentirás: 'Senhor, naquela vela, estou eu diante de Ti'. Não fujas ao teu destino. Persevera. Deixa-te de querer saber continuamente o porquê e o para quê. O sentido mais profundo da vida está em comunicarmo-nos em verdade e amor de Deus, tal como a vela se consome em luz e ardor» (R. Guardini, Sinais Sagrados).
A Bíblia aplica, este simbolismo da luz, a Deus que «habita numa luz inacessível» (1Timóteo 6, 16). «Deus é luz e n’Ele não há treva» (1João 1,5). E o salmista: «Meu Deus, como sois grande, vestido de esplendor e majestade, envolvido de luz, como de um manto» (Salmo 104, 2). E a Liturgia: «único Deus vivo e verdadeiro… permaneceis, eternamente, na luz inacessível… criastes o universo para encher de bênçãos todas as criaturas e a muitas alegrar na claridade da vossa luz» (Anáfora IV).
Mas este simbolismo litúrgico refere-se, sobretudo, a Cristo: «o Verbo era a luz verdadeira que ilumina todo o homem» (João 1,9); «Eu sou a luz do mundo: quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (João 8, 12): palavras proclamadas por Jesus na festa das Tendas, a festa das luzes, no Templo de Jerusalém. Este simbolismo atravessa toda a Bíblia, desde a primeira (faça-se a luz: Génesis 1, 3) até à última (a nova Jerusalém iluminada pela glória de Deus e a sua lâmpada é o Cordeiro… aí não haverá noite: Apocalipse 21, 23ss).
Naturalmente, a celebração litúrgica, na sua rica gramática simbólica, dá um lugar de relevo à luz, de modo muito especial, na Páscoa e no Natal. O símbolo da luz introduz-nos na participação do mistério de Cristo. Neste sentido, se compreendem as velas que colocamos no altar, o Círio pascal que preside às celebrações principais, a lâmpada que arde diante do Santíssimo Sacramento, as velas que levamos nas procissões, a vela que se acende no batismo, na profissão de fé, o círio que se coloca diante do féretro, etc. A nossa existência, ritmada pela luz, manifesta-se, marcada por Cristo que diz: «Eu sou a luz do mundo… Vós sois a luz do mundo!».