ANO CRISTÃO
«Purificar e evangelizar a religiosidade popular» — é um dos objetivos propostos pela Arquidiocese de Braga, no programa pastoral para 2013+14, subordinado à temática da «fé celebrada». A este propósito partilhamos o artigo publicado pelo Secretariado de Liturgia da diocese do Porto no jornal «Voz Portucalense» (3 de janeiro de 2007) sobre o tempo de Natal a partir das sugestões do «Diretório sobre a Piedade Popular» (PPP) de 17 de dezembro de 2001: «A piedade popular, precisamente porque intui os valores inerentes ao mistério do Natal, é chamada a cooperar na salvaguarda da memória da manifestação do Senhor, de modo que a forte tradição religiosa conexa com o Natal não se torne terreno de operações de consumismo e infiltrações de neopaganismo».
Uma reflexão atenta… deve conduzir a um esforço concreto para harmonizar, na medida do possível, os exercícios de piedade com os ritmos e as exigências da Liturgia; mas «sem fundir ou confundir as duas formas de piedade»; e, consequentemente, evitar a confusão e a mistura híbrida da Liturgia com os exercícios de piedade; não opor a Liturgia aos exercícios de piedade ou, contra o sentir da Igreja, eliminar estes, criando um vazio que, muitas vezes, não é preenchido com grande prejuízo do povo fiel (DPP, 74).
No tempo de Natal, a Igreja celebra o mistério da manifestação do Senhor: o seu nascimento humilde em Belém, anunciado aos pastores, primícias de Israel que acolhe o Salvador; a epifania aos Magos «vindos do Oriente» (Mateus 2, 1), primícias dos gentios, que em Jesus recém-nascido reconheceram e adoraram o Cristo Messias; a teofania junto do rio Jordão, em que Jesus é proclamado pelo Pai «Filho muito amado» (Mateus 3, 17) e inaugura publicamente o seu ministério messiânico; o sinal realizado em Caná com que Jesus «manifestou a sua glória e os discípulos creram nele» (João 2, 11) — cf. DPP, 106.
No tempo do Natal, além destas celebrações que dão o seu sentido primordial, ocorrem outras que estão intimamente relacionadas com o mistério da manifestação do Senhor: o martírio dos Santos Inocentes (28 de dezembro), cujo sangue foi derramado por causa do ódio contra Jesus e da recusa da sua soberania por parte de Herodes; a memória do Nome de Jesus, a 3 de janeiro; a festa da Sagrada Família (domingo dentro da Oitava), em que se celebra o santo núcleo familiar no qual «Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens» (Lucas 2, 52); a solenidade do primeiro dia de janeiro, memória intensa da maternidade divina, virginal e salvífica de Maria; e, se bem que já fora dos limites do tempo natalício, a festa da Apresentação do Senhor (2 de fevereiro), celebração do encontro do Messias com o seu povo, representado por Simão e Ana, e momento da profecia messiânica de Simeão (cf. DPP, 107).
Grande parte do rico e complexo mistério da manifestação do Senhor ecoa amplamente em expressões próprias na piedade popular. Ela está particularmente atenta aos acontecimentos da infância do Salvador, em que se manifestou o seu amor por nós. Na verdade, a piedade popular percebe intuitivamente:
– o valor da «espiritualidade do dom», própria do Natal: «um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado» (cf. Isaías 9, 5), dom que é expressão do amor infinito de Deus que «tanto amou o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito» (João 3, 16);
– a mensagem de solidariedade que o evento do Natal traz consigo: solidariedade com o homem pecador, pelo qual, em Jesus, Deus se fez homem «por nós homens e para nossa salvação»; solidariedade com os pobres porque o Filho de Deus «sendo rico se fez pobre» para nos «enriquecer com a sua pobreza» (2Coríntios 8, 9);
– o valor sagrado da vida e o evento admirável que acontece em cada parto de mulher, dado que foi através do parto de Maria que o Verbo da vida veio para o meio dos homens e se tornou visível (cf. 1João 1, 2);
– o valor da alegria e da paz messiânica, a que os homens de todos os tempos aspiram profundamente: os Anjos anunciam aos pastores que nasceu o Salvador do mundo, o «Príncipe da paz» (Isaias 9, 5) e desejam «paz na terra aos homens que Deus ama» (Lucas 2, 14);
– o ambiente de simplicidade e de pobreza, de humildade e de confiança em Deus que envolve os acontecimentos do nascimento do menino Jesus.
A piedade popular, precisamente porque intui os valores inerentes ao mistério do Natal, é chamada a cooperar na salvaguarda da memória da manifestação do Senhor, de modo que a forte tradição religiosa conexa com o Natal não se torne terreno de operações de consumismo e infiltrações de neopaganismo (cf. DPP, 108).