A porta da fé [10]


Estamos a seis semanas de concluir o Ano da Fé, que se iniciou em outubro de 2012 e terminará em novembro de 2013. Semanalmente, apresentamos um número da Carta Apostólica do papa Bento XVI com a qual proclamou o Ano da Fé — «A porta da fé» («Porta Fidei»). E juntamos uma proposta de reflexão elaborada por Pedro Jaramillo. O objetivo é dar um contributo para uma avaliação mais cuidada sobre a forma como estamos a viver o Ano da Fé. Bom proveito!

Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o ato pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Romanos 10, 10). O coração indica que o primeiro ato, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e ação da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.
A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Atos 16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é um ato simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Batismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”» [17].
Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor [18].
Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do ser humano traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre» [19]. Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro [20]. É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.

[17] Catecismo da Igreja Católica, 167
[18] Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5
[19] Bento XVI, Discurso no «Collège des Bernardins» (Paris, 12 de Setembro de 2008):AAS 100 (2008), 722
[20] Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1

A porta da fé [Carta Apostólica para o Ano da Fé - «Porta Fidei»]

  • A porta da fé — números publicados no Laboratório da fé > > >



Aspetos que se podem sublinhar

  • A distinção entre o «ato de fé» e os conteúdos de fé. O ato de fé é a entrega total e livre de tudo o que somos a Deus. Mas ato de fé e conteúdos de fé não se podem separar.
  • O Papa vê refletida esta união no texto de Paulo: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Romanos 10, 10). E vê-o confirmado no exemplo de Lídia: «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Atos 16, 14). Os conteúdos das verdades não é suficiente, se o coração não está aberto à graça. A fé não se resume a palavras «crentes»; precisa também de um «coração crente».
  • A «profissão com a boca» indica também que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. Contra a tendência da «privatização» da fé: o cristão não pode pensar que acreditar é um ato privado. A fé tem necessariamente repercussões na vida pública.
  • Por ser um ato da liberdade, a fé exige também uma responsabilidade social daquilo em que se acredita.
  • É o dom do Espírito Santo que capacita para a missão e fortalece o nosso testemunho tornando-o franco e corajoso.
  • A própria profissão de fé é, ao mesmo tempo, um ato pessoal e comunitário. O primeiro sujeito da fé é a Igreja. Na fé da comunidade, recebemos o batismo, entrando assim na comunidade dos que acreditam. Por isso, dizemos «creio» e «cremos».
  • Em que é que acreditamos? Na fé da Igreja. Daí a importância de conhecer os conteúdos da fé. Porque não acreditamos por conta própria, mas com e na fé da Igreja. O conhecimento da fé não é parcial (escolho o que me interessa), mas por ele somos introduzidos na totalidade do mistério salvador de Deus. Ao crer, aceitamos livremente a totalidade do mistério da fé.
  • É preciso olhar com simpatia e proximidade para as muitas pessoas que não reconhecem dentro de si e para si o dom da fé, mas procuram com sinceridade o sentido último e a verdade definitiva da sua existência e do mundo. Esta procura é um verdadeiro «preâmbulo da fé», como uma «sala de espera», porque leva as pessoas ao caminho que conduz ao mistério de Deus.

Interiorizando

  • Examino se confundo a minha fé com o facto de «saber muitas coisas», mas sem me preocupar que essas coisas desçam ao meu coração. Pode-se saber muita teologia (ter muitos conhecimentos sobre Deus), mas não viver uma vida teologal (de acordo com a fé que se professa, na entrega generosa a Deus).

  • Examino se penso que a fé é um assunto puramente privado, que não deve ter nenhum tipo de reflexo nos aspetos sociais da minha vida (família, trabalho, política, economia...). Esta maneira de pensar, que se chama «privatização da fé», entra tão facilmente em nós que acabamos por pensar que a fé nos serve apenas para «arrumar» os nossos assuntos com Deus. E nada mais!

  • Examino se me apercebo de que uma verdadeira «confissão de fé» é profundamente missionária. Não acredito «sozinho», mas acredito, pessoalmente, «na comunidade». «Esta é a nossa fé. Está é a fé da Igreja»... acredito nisto? Ou ando por aí inventando verdades que não correspondem à fé da Igreja de quem sou membro? Parece mentira, mas é muito fácil «inventar verdades» (sobretudo, aqueles que se dedicam à pregação), porque «as pessoas gostam».

  • Examino se dou importância aos conteúdos da fé, que não são os meus conteúdos, mas os conteúdos da fé da Igreja. Às vezes, não apresentamos os conteúdos da fé eclesial, mas fazemos as pessoas acreditar em coisas que não pertencem à fé da Igreja (muita gente confunde isso com «ser mais crente»).

  • Examino se, a partir da minha fé, estou próximo daqueles que, embora não sendo crentes, procuram com sinceridade o sentido da vida... Às vezes, ficamos fechados e não abrimos o coração a quem sinceramente procura Deus, embora não o saiba... Não serve dizer: só os católicos é que me interessam. Uma atitude pouco missionária!

© Pedro Jaramillo
© Tradução e adaptação de Laboratório da fé, 2013

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Bento XVI, Carta Apostólica «A porta da fé»
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 17.10.13 | Sem comentários
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