As «chaves» do Concílio


Lumen Gentium — Constituição Dogmática sobre a Igreja


Membros uns dos outros
No Novo Testamento, São Paulo refere-se à Igreja como «corpo de Cristo» e baseia-se na imagem do corpo para descrever a relação dos membros do corpo eclesial uns com os outros, bem como a sua relação coletiva com Cristo. No Batismo, somos incorporados em Cristo e no seu Corpo, a Igreja. Na Eucaristia, essa comunhão é alimentada e aprofundada. Evocando a imagem do corpo, Paulo apelava a uma ideia que circulava largamente na sua época. Menénio Agripa, oficial da República romana do século V a. C., empregara a imagem do corpo numa fábula para ajudar todos os membros da sociedade a compreender a sua necessidade e dependência mútuas, fosse qual fosse o seu posto ou classe social. Paulo recorreu a essa metáfora familiar para transmitir a ideia de solidariedade profunda que devia existir entre os membros da Igreja, em toda a sua diversidade.
O mais conhecido desses textos talvez se encontre na primeira carta aos Coríntios, onde encontramos o discurso de Paulo sobre a variedade de dons espirituais ou carismas concedidos pelo Espírito aos membros da Igreja: «Pois, como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo. De facto, num só Espírito, fomos todos balizados para formar um só corpo» (1Coríntios 12,12-13). Paulo descreve como as inúmeras partes do corpo são necessárias para o funcionamento do todo. O corpo não pode passar sem um pé, sem uma orelha, ou sem o nariz. Cada membro desempenha um papel essencial ao serviço de todo o corpo. O mesmo se passa no corpo eclesial de Cristo. Todos os membros devem cuidar uns dos outros. Com efeito, estamos de tal forma unidos pelo Espírito, que «se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria» (1Coríntios 12, 26).
Esta mesma ideia é expressa de forma mais direta na carta aos Romanos: «Como num só corpo, temos muitos membros, mas os membros não têm todos a mesma função, assim acontece connosco: os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas, individualmente, somos membros uns dos outros» (Romanos 12, 4-5). O ensinamento de Paulo ajuda-nos a apreciar a dignidade comum partilhada por todos os membros do Corpo eclesial, seja qual for o seu carisma. Todo o Corpo precisa dos dons uns dos outros: o dom da profecia, o dom do serviço, o dom da exortação, o dom da partilha generosa, o dom da misericórdia e da alegria (Romanos 12, 8).
Toda a eclesiologia de Paulo pressupunha uma visão funda­mentalmente orgânica da Igreja, sugerindo não só complementaridade e diversidade dentro da Igreja, mas coexistência. Para Paulo, a vida em Cristo significa vida no Corpo de Cristo, que é a Igreja. A Igreja não era um mero agregado de indivíduos. Antes, pelo Batismo, que introduz na comunidade cristã, cada pessoa participa de uma nova realidade, passa a ser uma nova criação. Os crentes individuais não constituem a Igreja; a iniciação na Igreja mediante a fé e o Batismo constitui o crente: introdu-lo numa nova forma de existência.

© Richard R. Gaillardetz - Catherine E. Clifford
© Paulinas Editora, 2012
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Catherine E. Clifford e Richard R. Gaillardetz, As «chaves» do Concílio, Paulinas Editora, Prior Velho, 2012 (material protegido por leis de direitos autorais)


  • Eclesiologia eucarística [1]  [2]  [3]  [4]  [5]  [6]


Reflexões sobre a Igreja no Laboratório da fé


Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 11.7.13 | Sem comentários
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