As «chaves» do Concílio


Lumen Gentium — Constituição Dogmática sobre a Igreja


A Igreja e o Corpo Místico
Infelizmente, na Idade Média, esta rica eclesiologia eucarística começou a retroceder para segundo plano, sendo substituída por uma visão mais jurídica da Igreja. Houve sempre vozes, como a de São Tomás de Aquino, que mantiveram em primeiro plano as ligações profundas entre a Eucaristia e a Igreja, mas essas seriam mais a exceção do que a regra. Só no século XIX e inícios do século XX é que se começaram a envidar esforços para recuperar elementos desta antiga visão eucarística da Igreja. A mudança histórica ocorrida na Idade Média foi magistralmente explorada, algumas décadas antes do Concílio, pelo teólogo jesuíta Henri de Lubac, numa obra intitulada «Corpus Mysticum» («Corpo Místico»).
Segundo de Lubac, antes do fim da Idade Média, o termo «Corpo Místico» referia-se sobretudo ao Corpo eucarístico de Cristo. No entanto, quando surgiram as controvérsias sobre o realismo da presença de Cristo na Eucaristia, os teólogos medievais começaram a estabelecer a distinção entre o corpo «natural» ou «verdadeiro» de Cristo, nascido da Virgem Maria, e agora presente no pão e no vinho do sacramento, e o caráter «místico» do corpo eclesial de Cristo. À medida que a atenção dos teólogos se ia centrando cada vez mais no realismo da presença de Cristo no sacramento, as antigas convicções relativas à presença e à ação de Cristo no corpo eclesial, e através dele, passaram para segundo plano. O efeito daí resultante foi uma infeliz decomposição da importante ligação entre a Eucaristia e a Igreja, e a Igreja e Cristo, sua Cabeça, a quem encontramos no sacramento.
Quando foi inicialmente aplicado à Igreja, o termo Corpo Místico referia-se à Igreja celeste, à comunhão dos santos no fim dos tempos. Na sequência da Reforma Protestante do século XVI, o contrarreformista jesuíta Roberto Belarmino aplicou sistematicamente a ideia do Corpo Místico de Cristo à comunidade peregrina da Igreja na terra. Tentou refutar a justaposição protestante feita entre a instituição visível da Igreja na terra e a realidade espiritual invisível da verdadeira Igreja.
No século XIX, alguns teólogos, como Johann Adam Möhler e, mais tarde, Matthias Scheeben, começariam a explorar a força da imagem paulina de «corpo» para entender a Igreja. Esse trabalho seria continuado no século XX pelo estudo monumental de Emile Mersch. O papa Pio XII aprofundaria ainda mais essa recuperação na sua Encíclica «Mystici Corporis», embora corroborando a ênfase dada por Belarmino à Igreja institucional visível. De Lubac, o teólogo dominicano Yves Congar e outros defenderiam a necessidade de regressar à eclesiologia eucarística de Paulo, de Agostinho e da tradição patrística.

© Richard R. Gaillardetz - Catherine E. Clifford
© Paulinas Editora, 2012
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Catherine E. Clifford e Richard R. Gaillardetz, As «chaves» do Concílio, Paulinas Editora, Prior Velho, 2012 (material protegido por leis de direitos autorais)


  • Eclesiologia eucarística [1]  [2]  [3]  [4]  [5]  [6]


Reflexões sobre a Igreja no Laboratório da fé

Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 23.7.13 | Sem comentários
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