PREPARAR O DOMINGO: décimo sétimo domingo

28 DE JULHO DE 2013

José Tolentino Mendonça, «Pai-nosso que estais na Terra», Paulinas, 2011, 99-102


É impressionante constatar, num mundo hipertecnológico e sofisticado como o nosso, a força simbólica que continuam a ter as coisas simples. Pensemos no pão. O seu apelo e significado atravessam culturas e gerações. O pão tornou-se um símbolo extraordinário e univer­sal... foi assim para os nossos avós, é assim para nós... Lembro-me quando era miúdo, se um pão caía da mesa, apanhávamo-lo e dávamos um beijo, mesmo se já não o pudéssemos comer. Para lá da carga simbólica, o pão revestia-se de um sentido sagrado. Penso que é assim, porque o pão é uma expressão concreta da nossa própria humanidade. O pão não é só farinha, fermento, água e sal. É muito mais do que isso. O pão é sinal do que é essencial à vida, de tudo aquilo de que a nossa sobrevi­vência depende, e sem o qual não conseguiríamos existir. Representa os fios que nos atam à vida e que nos mantêm à flor da terra. Por isso, descobrimos que o seu significado se alarga continuamente.
O pão também traduz a condivisão, a comunhão, a fraternidade... Haver um único pão e poder-se dividi-lo em frações; tomar dum mesmo pão para alimentar os diferentes comensais que rodeiam uma mesa... O pão não é só pão. Ele é também o testemunho visível da arte da fraternidade. Na raiz de palavras que nos são tão caras, como «companhia», «companheiro», «acompanha­mento» está o pão, o «com-panis», o comer o mesmo pão. Dizer a alguém, «Tu és o companheiro ou companheira da minha vida», significa que há uma partilha do que é alimento, do que dá vida. E do trabalho, que nos torna cocriadores com Deus, e coartífices da criação, dizemos: é o meu ganha-pão. O pão é alguma coisa de vital.
Por vezes, ocupamo-nos a pedir a Deus coisas secun­dárias, uma espécie de berloques ou de espuma. E a nossa oração aprisiona-se à vidinha que vai correndo... E esquecemo-nos muitas vezes de colocar Deus no meio das lutas, no meio das procuras por aquilo que nos é mais essencial. Nós podemos perguntar: «Mas vou pedir a Deus o pão? O pão, se eu não trabalhar, não é Deus que mo vai dar. Tenho de pedir a Deus é o que não consigo pelas minhas forças!» Porém, o que Jesus nos ensina é que temos de pedir a Deus aquilo que conseguimos, ou dito de outra maneira, pedir que Ele dê um sentido outro àquilo que nós vamos conseguindo e o torne genuinamente essencial.
Jesus ensina-nos a pedir a Deus, a pedir ao Pai, que o pão não seja apenas pão, pura materialidade, mas que o nosso pão fale, seja uma espécie de sacramento, seja expressão de tudo aquilo que, no fundo, procuramos e que o Senhor nos vai dando, também em termos espirituais. Temos de pedir a Deus que o nosso pão reúna e não separe. Que o nosso pão seja verdadeiramente «Pão»: lugar onde as pessoas se sentam à volta e não o que acontece tantas vezes, quando o pão se torna aquilo que distingue e afasta. Pedir a Deus que o nosso pão celebre, evidencie a gratidão por Deus e o nosso Amor pelos outros.
Pedir a Deus que o «pão de cada dia» não faça bem só ao estômago, mas também à alma e ao coração. Isto é, que o pão se possa revestir de um sentido tão humano que seja divino. Que o que em cada dia vamos construindo tenha um sentido transcendente e não seja apenas uma coisa muda, que nada diz. Que o trabalho não seja apenas uma atividade mecânica e obrigatória, mas que se pressinta nele algo mais: o Amor de Deus, o coração de Deus, a vida de Deus.
Nós rezamos: «o pão nosso» porque, quando só eu tenho pão, é uma coisa muito triste. É um pão que não nos desce pela garganta. O pão da solidão não tem metade do sabor, ou um centésimo da alegria. Nós pedimos a Deus o nosso pão, o pão de todos, o pão para todos.
Uma das mais antigas imagens da Igreja, guardadas na «Didaqué», desenha-a assim: «Tal como as várias espigas de trigo nascem em campos muito diferentes e depois são moídas para fazer um único pão, vindo de searas diferentes, assim, Senhor, é a tua Igreja, que, vinda de lugares muito diferentes, se reúne num único pão, o pão do Senhor.» Pedir o «pão nosso» é pedir por esta fraternidade. É rogar não apenas pela minha seara, mas por todas as searas. E é comprometer-se em amassar um único pão, capaz de saciar os outros.



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  • O «Pai nosso» no evangelho segundo Lucas > > >
  • O pão nosso de cada dia nos dai hoje [1] > > >
  • O pão nosso de cada dia nos dai hoje [2] > > >
  • O Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem > > >
  • Lucas 11, 1-13 — notas exegéticas > > >



Preparar o décimo sétimo domingo, ano C, no Laboratório da fé
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 24.7.13 | Sem comentários
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