Para o leigo menos atento, o Pentecostes será sempre o dia em que umas línguas de fogo caíram sobre os apóstolos que passaram a falar outras línguas, esquecendo, ou ignorando, que o Pentecostes tem um significado muito mais profundo e abrangente.
A origem da Festa do Pentecostes perde-se na tradição judaica que celebrava a Festa das Semanas ou das Colheitas, durante a qual eram oferecidos ao templo os primeiros frutos da terra, em comemoração e acção de graças a Deus pela entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai, cinquenta dias depois do Êxodo. Estes festejos eram celebrados sete semanas depois da Páscoa, e a tradução grega haveria de lhe atribuir a actual designação de Pentecostes, que significa “quinquagésimo dia”.
Segundo os Actos, foi neste dia que os Apóstolos receberam o Dom do Espírito Santo que transformaria, em definitivo, a vida de doze homens simples que, depois de receberem a energia renovadora do fogo do Espírito, ganhariam a eloquência necessária para levar a Boa Nova a todos os povos e nações da terra. Nos dias de hoje, a Festa do Pentecostes que encerra o período Pascal, passa demasiado despercebida a muitos cristãos que se esquecem que o Pentecostes é uma das festividades mais importantes da Igreja, juntamente com o Natal e a Páscoa, porque será sempre o dia em que o Espírito Santo santificou a Igreja que emergia da obra redentora de Deus Pai, através do Filho, Jesus Cristo, e será sempre o dia em que nos foi revelada a Santíssima Trindade, origem, regaço e pátria da Igreja.
Por vezes, somos tentados a colocar estes acontecimentos demasiado longe de nós e perdidos na distância de mais de dois mil anos, esquecendo que a força do Espírito Santo, esteve sempre presente na Igreja, porque é na Trindade que se encontra a abertura para o Reino que Cristo anunciou. Assim sendo, será que os cristãos de hoje têm consciência que este mesmo Espírito Santo, que desceu sobre os Apóstolos, continua a ser imprescindível e está presente em todas as acções sacramentais, distribuindo a cada um os seus Dons Espirituais para o bem comum? E que fazemos nós desses Dons que recebemos gratuitamente? Será que os colocamos ao serviço dos outros, como uma verdadeira Igreja comunitária requer?
À semelhança da Trindade que existe em nós, a Igreja, enquanto comunidade, é (devia ser) uma permanente comunhão de relações em que os leigos (inteligentes) colocam ao serviço dos outros os Carismas recebidos do Espírito e que devem ser sempre usados para servir a comunidade e não para proveito próprio que, quantas vezes, leva à tentação do poder e da pretensão de “dominar”.
O trabalho dos leigos nas comunidades é fundamental, e se entendermos que as obrigações que nos são atribuídas são poucas, devemos impor-nos, a nós mesmos, outras obrigações que nos levem a ser mais participativos, diligentes e colaborantes na obra redentora a que a Igreja está “obrigada”.
Da intensa discussão em volta da questão - “Igreja Católica quem és tu” que o Cardeal Suenens apresentou no Concílio Vaticano II, resultou um documento importantíssimo que chama os leigos a uma participação mais activa na vida da igreja, como se pode deduzir da Constituição Dogmática “Lumen Gentium”.
Aliás, uma das grandes conquistas do Vaticano II foi a igreja ter tomado consciência que precisa de SER (mais sacramental e menos a sociedade perfeita que se julgava ser) ESTAR (presente onde for necessária com espírito missionário) e AGIR (segundo a sua vocação profética e não se remeter à simples condição de guardiã de umas quantas verdades). Claro que tudo isto tem a ver connosco, os leigos, que, sendo o cerne das comunidades, têm o dever de Ser, de Estar e de Agir, três pontos fundamentais para que a Igreja se “entenda” melhor, sem nunca perder de vista que as comunidades são “um mundo” construído com, e para os outros. São um edifício cuja construção, boa ou má, depende da qualidade das “pedras” que cada um de nós, os leigos, nela representa.
Aqui chegados, a grande questão é saber se os leigos saberão fazer jus ao lugar que lhes foi destinado pelo Concílio Vaticano II e se têm consciência que dentro de cada comunidade devem ser como o sal que se dissolve depois de cumprir a sua missão que é dar sabor, temperar a comida e não salgá-la. Neste sentido, e depois de cumprida a sua missão, jamais algum leigo se deve sobrepor aos demais, arrogando-se senhor do poder, ainda que seja muito importante para a comunidade no exercício de determinada função, pois, por mais útil que possa ser, nunca passará de mais uma pedra no corpo comunitário da Igreja, cuja força assentará sempre na contínua presença de Jesus Cristo, através do Espírito Santo.
Um leigo atento e participativo na comunidade, nunca se deve esquecer que tem a permanente missão de evangelizar e colocar ao serviço do bem comum os Dons que lhe foram atribuídos pelo poder do Espírito Santo. Neste sentido, que a Festa do Pentecostes, final glorioso da Páscoa de Jesus Cristo, proporcione um despertar Trinitário para a vida comunitária dos leigos, que se querem cada vez mais solidários e empenhados na construção de uma salutar Igreja Viva.
© António Fernandes Coimbra