— Rumores de Ángeles — blog de José Manuel Vidal —

«Não abandono a Igreja... subo ao monte para rezar». Com estas palavras, no domingo [24 de fevereiro], após as 12 horas, Bento XVI, depois de rezar o «Angelus», despedia-se da multidão congregada na praça de São Pedro. E deixava a janela vazia. Já não voltará a aproximar-se dela. A janela do Papa permanecerá fechada até que volte a ser aberta pelo seu sucessor
[Hoje] Bento XVI voltará pela última vez à praça de São Pedro, para celebrar a sua última «Audiência Geral das quartas-feiras» e partilhar a sua última bênção. Mas a partir da escadaria de acesso à Basílica. Não a partir da janela, que deixa de ser protagonista da vida da Igreja e marco da exposição mediática papal, para se converter num testemunho mudo da mudança de Papa e, talvez, de ciclo na Igreja Católica. 
Um encerramento temporal. Desta vez, e pela primeira vez em muitos séculos, não por falecimento, mas pela renúncia do seu inquilino. Um encerramento não obrigatório, mas querido e desejado. Um encerramento contracorrente. Um encerramento, para abrir, de novo, as janelas de toda a Igreja. Para escutar o clamor do mundo e os gritos dos deserdados. Para colocar o relógio da instituição acertado pela hora do mundo. 
Disse Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, que a do palácio apostólico é «a janela mais querida e amada do mundo». E, certamente, a mais seguida do universo. Uma janela convertida no mais globalizado meio de comunicação. Um meio de comunicação artesanal, mas tremendamente eficaz. A janela do Papa. 
Sem dúvida, a janela mais vitoriada, aplaudida e aclamada do mundo. Quando um fiel ou um turista chega, pela primeira vez, à praça de São Pedro, enquanto fica boquiaberto pela sua beleza e pela sensação de poder que transmite, a primeira pergunta é: «Qual é a janela do Papa? Onde está?». 
E o guia ou o acompanhante aponta para a segunda da esquerda no último piso do palácio pontifício. A primeira é dos aposentos do Papa e está sempre fechada. A segunda é a do seu escritório e, a partir dela, dirige-se à praça e às televisões do mundo para pregar, rezar e abençoar quase todos os domingos do ano. 
Bento XVI estreou-a como Papa no dia um de maio de 2005: «Dirijo-me a vós pela primeira vez desta janela, que a amada figura do meu Predecessor tornou familiar a numerosas pessoas no mundo inteiro». 
[No dia] 24 de fevereiro de 2013, quase oito anos depois, despedia-se com o seu último «Angelus» dominical: «O Senhor chama-me a ‘subir ao monte’, para me dedicar ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja; pelo contrário, se Deus me pede isto, é precisamente para que eu possa continuar a servi-la com a mesma entrega e o mesmo amor com que o tentei fazer até agora, mas de uma maneira mais adequada à minha idade e às minhas forças». 
Voltou-se e deixou a janela, encurvado, ancião, serene e digno. E a janela fechou-se por trás dele. Só se abrirá para o novo Papa. Uma janela sempre protagonista. 

João Paulo II e João XXIII 

Dela aproximava-se, já quase em silêncio e sem poder articular uma palavra, João Paulo II. E rompia-se o nosso coração, ao vê-lo agonizar em direto perante o olho implacável das câmaras.
Dessa mesma janela aproximou-se, há 50 anos, João XXIII, o Papa Bom, que acabava de inaugurar o Concílio, para escutar os milhares de fiéis que se tinham reunido espontaneamente na Praça de São Pedro. À luz das velas e da lua. Rezavam e pediam pelo êxito do Concílio. E o bom Papa João chegou à janela e improvisou o seu já lendário discurso da lua. E terminou-o pedindo aos presentes que, quando chegassem a casa, dessem um beijo aos seus filhos em nome do Papa.
Um pedido, um gesto, um discurso que atravessou o tempo. Como muitas outras coisas do Papa João. Nada foi em vão, Roncalli foi uma bênção para o mundo e para a Igreja. A sua bondade impregnou o próprio Vaticano. E a sua memória continua viva. Não pode morrer, porque o Papa João transformou-se num mito. 
Naquela noite de 1962, ali em baixo, entre o povo, com uma vela na mão, estava o jovem Joseph Ratzinger, perito conciliar da minoria progressista. 50 anos depois, nessa mesma noite, o povo voltou a encher a praça de São Pedro com velas. Para recordar a «primavera» do Papa Bom. Para pedir um novo sopro de ar fresco na Igreja. 
E, na janela, estava o outrora jovem teólogo, convertido em Bento XVI. E a partir da janela também improvisou um belo discurso. Um discurso, contudo, distinto na tonalidade. Um discurso um pouco mais pessimista. O Papa Ratzinger falou de cinza e de «peixes maus» na rede da Igreja.
Isso sim, terminou com as mesmas palavras de João XXIII: «Quando regressardes a casa, dai aos vossos filhos um beijo da parte do Papa». Dois Papas diferentes, um mesmo gesto e uma mesma esperança que lateja a partir daquela janela. A janela de Deus... temporariamente fechada.

© José Manuel Vidal — www.religiondigital.com
© Tradução e adaptação de Laboratório da fé, 2013



Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 27.2.13 | Sem comentários
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