CELEBRAR O DOMINGO VIGÉSIMO NONO
Exigência, radicalidade: o que nos parece difícil, Jesus Cristo fê-lo de forma absoluta, para nos salvar. Percebemo-lo neste vigésimo nono domingo (Ano B), no evangelho segundo Marcos, depois de ter feito aos apóstolos o terceiro anúncio da Paixão, Jesus Cristo revela-lhes o segredo do seu caminho. Ele é o Servo de Deus anunciado pelo profeta (primeira leitura). E mesmo que Tiago e João não o compreendam, Jesus Cristo repete a necessidade de passar pela Cruz, a importância de amar e servir (evangelho). Carregando sobre si as nossas fraquezas, Jesus Cristo introduz-nos na vida de Deus (segunda leitura), faz-nos mergulhar na misericórdia (salmo).
A segunda parte do livro de Isaías (Segundo Isaías) recolheu um conjunto de poemas e cânticos referentes ao Servo de Yahveh (Deus) de uma forma que ainda hoje continua enigmática. Os poemas não têm relação com o conjunto do livro: centram-se numa pessoa, enquanto o resto do livro (Segundo Isaías) tem como protagonista o povo desterrado. Os poemas do Servo referem-se a um personagem débil, frágil, ao passo que os convites a regressar a Judá expressam fortaleza, segurança. Os cânticos do Servo parecem a narração poética de um fracasso, mas as exortações ao regresso anunciam um futuro esplendoroso.
Então, o que é que une estes poemas ao resto do livro? A salvação oferecida por Deus: no resto do livro, apresenta-se sob a imagem de um novo êxodo; nos poemas do Servo, é através do seu sofrimento pessoal que acontece a justificação de «muitos».
A primeira leitura coloca-nos perante um fragmento do quarto Cântico do Servo de Deus (52, 13 — 53, 12). Este Servo experimentou uma vida de sofrimento: «Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento». Com isto, parece que já nada mais podia acontecer. Mas Isaías faz-nos saber que não se trata do último momento, esse não será o fim.
Deus tem outro desígnio: «Terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. […] Verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria». Deus quer que o Servo, que antes tinha dado tudo, agora receba tudo. Deus não o abandona. Nem ao Servo, nem aos outros. No Servo, Deus revela-se como Redentor: na debilidade do Servo esmagado pelo sofrimento torna-se presente a salvação. E não o fará de forma violenta, impetuosa, mas segundo os desígnios surpreendentes de Deus: toma sobre si as iniquidades dos outros.
«O justo, meu servo, justificará a muitos»: faz com que outros recebam os benefícios da sua fidelidade e do seu sofrimento, pois assumiu as «iniquidades» desses «muitos». Aqui há um mistério da justiça divina que justifica uma multidão através do sofrimento dum que é fiel até ao fim. O sofrimento não é um castigo divino, mas consequência da fidelidade ao amor que se recusa a entrar no jogo dos opressores. O caminho que se inicia no Servo há de culminar em Jesus Cristo: «o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».