CELEBRAR O DOMINGO QUARTO
Os extratos da Escritura oferecidos no quarto domingo (Ano B) podem ser resumidos nesta interpelação: «Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações» (salmo). Hoje, estou disposto a ouvir a palavra de Deus, mesmo quando me desconcerta? Escuto os profetas (primeira leitura) que, hoje, continuam a falar em nome de Deus? Vivo unido/a a Deus «sem desvios» (segunda leitura)? Reconheço a «autoridade» (evangelho) de Jesus Cristo?
«Porei as minhas palavras na sua boca»
A primeira leitura faz parte do «Código Deuteronómico» (11, 29 — 26, 15), dentro duma seção em que Moisés autoriza uma série de funções no seio da comunidade de Israel: juízes, rei, sacerdotes, profetas. Todos hão de servir para guiar e guardar o povo de Israel, de modo que a comunidade de fé possa manter a sua identidade e vocação como povo de Deus, especialmente nos momentos de maior tribulação.
Moisés fala de um profeta futuro que será semelhante a ele, mas sem precisar outros detalhes. A missão que lhe será confiada é a dar a conhecer ao povo os ensinamentos de Deus: «Porei as minhas palavras na sua boca».
O texto faz referência aos acontecimentos do Sinai (no Horeb), quando Deus confiou os dez mandamentos (cf. Êxodo 20, 1-17): Israel entendeu que a escuta direta das palavras de Deus era uma ameaça, de maneira que a partir daí a comunicação com Deus fez-se apenas através do mediador Moisés (e daqueles que, depois, continuaram a exercer a mesma função).
Segundo a tradição bíblica, Moisés foi o primeiro profeta: cumpre a dupla função de ser mediador entre Deus e o povo e porta-voz da palavra divina (se bem que, mais tarde, Moisés será apresentado como símbolo da Lei e Elias será o símbolo dos profetas).
O profeta tem a missão de dar continuidade às funções de Moisés: ser testemunha do Deus libertador do Êxodo, dos Mandamentos e da Aliança no Sinai. Trata-se de um compromisso ético que faz com que a vida de Israel seja tão comprometida (enquanto que os «outros deuses» são muito menos exigentes). A narração também recorda a hostilidade com que os profetas podem ser acolhidos entre o povo.
O profeta há de ser o responsável por dar a conhecer as palavras que o próprio Deus colocará «na sua boca». Por isso, é portador de uma autoridade profunda, que tem de ser levada a sério (pelo próprio e pelos outros) e respeitada por todos.
Para nós, cristãos, a profecia perpassa os vários momentos históricos descritos no Antigo Testamento até culminar em Jesus Cristo. Assim se compreende que Jesus Cristo, na sinagoga de Cafarnaúm, seja muito mais do que um simples «exorcista»; é um verdadeiro profeta que atua com a autoridade de Deus. Então, saboreamos o «diálogo» que se estabelece entre a primeira leitura e o evangelho, para nos dar a conhecer que a «autoridade» das palavras de Deus colocadas na boca de Jesus Cristo é também testemunhada pelos seus gestos. Este ensinamento com «autoridade», destacado pelo evangelista Marcos, é um sinal distintivo da missão profética de Jesus Cristo.