ANO CRISTÃO
O Secretariado de Liturgia da diocese do Porto, num artigo do jornal «Voz Portucalense» (7 de dezembro de 2011) procura mostrar que a escolha do dia 25 de dezembro para a celebração do Natal está mais relacionada com a Páscoa do que com o festa romana ao deus sol. Trata-se mais de uma «questão de fé» do que uma «manifestação religiosa». Na tentativa de determinar o dia exato da Páscoa, os cristãos (séculos II-III) chegaram a duas hipóteses: 25 de março e 6 de abril. «A partir daqui é só fazer o 'cômputo': nove meses após a conceção e início da vida humana do Verbo de Deus há que celebrar o seu Nascimento. Daí as datas de 25 de dezembro e/ou 6 de janeiro. Por outras palavras: a festa de Natal é uma projeção da celebração da Páscoa! (Os biblistas dizem-nos algo de semelhante na exegese dos relatos da infância de Mateus e Lucas…».
Por que razão celebramos o Natal do Senhor a 25 de dezembro?
Desde o século XVIII que se generalizou, e quase recolheu consenso, a chamada hipótese da «história das religiões». Segundo esta teoria, o 25 de dezembro foi escolhido em Roma por ser a data do solstício de Inverno no Calendário Juliano. Nessa data, o imperador romano Aureliano estabeleceu no ano 274 o «dies natalis solis invicti», isto é, a festa do aniversário do sol invencível, suscitando grande adesão das populações pagãs. Após a paz de Constantino (ano 313), as autoridades eclesiásticas terão instituído em Roma, na mesma data de 25 de Dezembro, a celebração litúrgica do Natal. Desse modo dissuadiam os seus fiéis das celebrações pagãs e mostravam que Jesus Cristo é o verdadeiro sol invicto: «Sol da Justiça» anunciado por Malaquias; «Sol Nascente» cantado por Zacarias no «Benedictus»… As províncias orientais do império romano seguiriam outros calendários que fixavam o solstício a 6 de janeiro e, por isso, escolheram essa data para celebrar o mistério da Incarnação. Num segundo momento e com a comunicação entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente os ocidentais acolheram também a celebração do dia 6 de janeiro (Epifania) e os Orientais passaram a celebrar também a Natividade a 25 de dezembro.
Será que as coisas se passaram mesmo assim? No início do século XX o grande estudioso das origens do culto cristão que foi Louis Duchesne chamou a atenção para uma explicação diferente conhecida pela Igreja Antiga: a «teoria do cômputo». Poucos lhe deram atenção, tão sedutora e convincente parecia a explicação tirada da história das religiões, em moda nessa época. Mas trabalhos mais recentes sobre as origens do ano litúrgico de Thomas J. Talley, entre outros, obrigam a reformular os manuais dando novo crédito à «teoria do cômputo».
Hoje, por exemplo, sabemos que os Donatistas, no Norte de África, celebravam o Natal a 25 de dezembro antes de 311, numa época de perseguições em que não seria verosímil que os cristãos abraçassem uma data promovida por imperadores romanos pagãos e pouco amistosos... Pelos vistos também nunca existiu qualquer calendário egípcio que fixasse o solstício de Inverno a 6 de janeiro. Entretanto, um estudo atento das obras de Clemente de Alexandria permite concluir que esse ilustre catequeta do século II, independentemente de especulações à volta de solstícios ou equinócios, pensava que o nascimento de Cristo tinha tido lugar no dia 6 de janeiro…
Que diz, então, essa teoria do «cômputo» que teremos de levar mais a sério ao tentar explicar ao povo de Deus o motivo da escolha dos dias 25 de dezembro/6 de janeiro para a celebração do mistério da Incarnação? Os primeiros cristãos pensavam que Jesus – e do mesmo modo outras grandes figuras da história da salvação – viveu na terra um número exato de anos. Por isso, a data da sua morte devia coincidir com a da sua conceção. Ora, na tentativa de transpor o dia 14 de Nisan – dia da crucifixão e morte de Jesus – para uma data fixa do calendário solar, os cristãos do século II-III encontraram duas datas, conforme as regiões do Império: 25 de março (Palestina, Roma, Norte de África…) ou 6 de abril (Ásia Menor; Egito…). A partir daqui é só fazer o «cômputo»: nove meses após a conceção e início da vida humana do Verbo de Deus há que celebrar o seu Nascimento. Daí as datas de 25 de dezembro e/ou 6 de janeiro. Por outras palavras: a festa de Natal é uma projeção da celebração da Páscoa! (Os biblistas dizem-nos algo de semelhante na exegese dos relatos da infância de Mateus e Lucas…)
Esta «nova» – melhor dito: revalorizada – explicação da escolha do dia 25 de dezembro para a nossa celebração do Natal de Jesus não significa que tenhamos de ignorar o natural influxo da coincidência de calendário com os festivais pagãos do solstício tanto na promoção pastoral da festa como nas temáticas da pregação e da eucologia. Os cristãos não vivem fora do mundo ou num mundo à parte. Mas há uma conclusão interessante a tirar: celebrar o Natal de Jesus a 25 de dezembro foi na origem – e talvez deva voltar a ser – mais uma questão de fé do que uma «manifestação religiosa». É tempo – quem sabe se a famigerada «crise» não poderá ajudar? – de nos convertermos de um Natal demasiado pagão a um Natal mais cristão...