As «chaves» do Concílio


Lumen Gentium — Constituição Dogmática sobre a Igreja


O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num templo (cf. 1Coríntios 3, 16; 6, 19), e dentro deles ora e dá testemunho da adoção de filhos (cf. Gálatas 4, 6; Romanos 8, 15-16.26). A Igreja, que o Espírito conduz à verdade total (cf. João 16, 13) e que unifica na comunhão e no ministério, é enriquecida e guiada por Ele com diversos dons hierárquicos e carismáticos, e adornada com os seus frutos (cf. Efésios 4, 11-12; 1Coríntios 12, 4; Gálatas 5, 22). Pela força do Evangelho, o Espírito rejuvenesce a Igreja, renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo (LG4).

Antecedentes
O Espírito Santo é muitas vezes referido como a Pessoa esquecida da Trindade. Ao longo dos últimos mil anos, a eclesiologia católica centrou-se na relação da Igreja com Cristo. A consideração do Espírito Santo estava geralmente limitada à garantia da eficácia dos sacramentos e ao caráter fidedigno do magistério da Igreja. A pneumatologia* era muito pouco considerada na reflexão teológica sobre a Igreja.
Nas décadas anteriores ao Concílio Vaticano II, o eminente teólogo dominicano Yves Congar criticou esta eclesiologia, limitada por aquilo que descreveu como o seu «Cristomonismo». Congar, entre outros teólogos, apelou a uma recuperação do papel do Espírito Santo na vida da Igreja. Os seus estudos revelaram uma época da Igreja primitiva em que o Espírito Santo tinha muito maior proeminência. Autores cristãos primitivos, como Santo Agostinho, viam o Espírito Santo como a alma do Corpo de Cristo. A relutância tardo-medieval em incorporar o Espírito Santo numa teologia da Igreja pode dever-se, em parte, à frequente referência ao Espírito Santo da parte das seitas heréticas, que tendiam a contrapor a obra carismática do Espírito às instituições da Igreja. Além disso, a partir da Reforma protestante, a cristandade tinha sofrido, por uma polémica continuada entre estudiosos protestantes e católicos, sobre se a Igreja primitiva se fundava sobretudo sobre funções eclesiais estáveis (a estrutura hierárquica da Igreja) ou sobre carismas concedidos a todos os crentes. Da parte da Igreja católica, qualquer referência a um papel decisivo do Espírito Santo corria o risco de parecer demasiado «protestante». Os importantes estudos do século XIX de Johann Adam Möhler e Matthias Scheeben sobre o Espírito Santo foram as exceções que confirmaram a regra.
No início do século XX, a eclesiologia católica recuperou a antiga imagem da Igreja como Corpo Místico de Cristo. Este tema foi aproveitado pelo papa Pio XII na sua Encíclica «Mystici Corporis». Embora o Papa reconhecesse o papel do Espírito Santo na Igreja, a encíclica não se centrou sobre a obra do Espírito Santo, mas sobre os elementos institucionais da Igreja.
Um dos contributos mais importantes — e muitas vezes ignorados — do Concílio Vaticano II residiu nos seus passos decisivos para recuperar o papel do Espírito Santo na vida da Igreja. Até o projeto de documento sobre a Igreja que os bispos receberam durante a primeira sessão do Concílio, apesar das suas muitas falhas, incluía numerosas referências ao Espírito Santo, recuperando a visão agostiniana do Espírito Santo como alma da Igreja. Enquanto São Paulo descrevera o corpo de cada crente como templo do Espírito Santo (1Coríntios 3, 16; 6, 19), os bispos aplicaram essa imagem a toda a Igreja.

O Espírito Santo no magistério conciliar
A recuperação, pelo Concílio, do lugar do Espírito Santo na Igreja, é evidente logo no primeiro capítulo da «Lumen Gentium», onde encontramos uma rica abordagem dos fundamentos trinitários da Igreja. No Pentecostes, o Espírito foi enviado para «santificar continuamente a Igreja e, desse modo, os fiéis tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito» (LG 4). O Concílio unia a Igreja Corpo de Cristo àqueloutra imagem da Igreja como Templo do Espírito Santo (LG 17). Esta ênfase renovada sobre o Espírito Santo é ainda mais desenvolvida e amplificada no Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja, segundo o qual a Igreja é constituída pelas missões trinitárias da Palavra e do Espírito (AG 2). Neste capítulo con-centrar-nos-emos em três aplicações da pneumatologia a uma teologia da Igreja: o papel do Espírito na manutenção da comunhão da Igreja; a teologia conciliar do carisma; a recuperação do caráter carismático da vida religiosa consagrada.

Pneumatologia: termo derivado da palavra grega «pneuma», que significa «espírito» ou «sopro». Assim, pneumatologia refere-se ao campo da teologia dedicado ao estudo do Espírito Santo.

© Richard R. Gaillardetz - Catherine E. Clifford
© Paulinas Editora, 2012
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Catherine E. Clifford e Richard R. Gaillardetz, As «chaves» do Concílio, Paulinas Editora, Prior Velho, 2012 (material protegido por leis de direitos autorais)


  • O Espírito Santo na Igreja [2] 

Há atualidade na Lumen Gentium?
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 27.6.13 | Sem comentários
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