PREPARAR O DOMINGO: décimo segundo domingo

23 DE JUNHO DE 2013

Quem dizem as multidões que Eu sou?

E vós, quem dizeis que Eu sou?

Jesus não espera que os discípulos digam apenas o que vêem com os olhos, mas que expressem o que tacteiam com o coração.
Também Jesus sentiu a necessidade de ser dito, e dito mais profundamente, e dito com palavras que só aqueles que amam podem dizer. Na tradição rabínica eram os discípulos que interrogavam o Mestre e não o contrário. [...] Este facto inédito manifesta a intensidade da relação que os ligava. Jesus não quer uma relação escolar: Ele deseja uma partilha de vida, de intimidade e de destino. [...]
Jesus faz duas perguntas que traçam como que dois círculos: um exterior e um interior. O que é que se vê de fora e o que é que se vê de dentro. O que é que se vê com os olhos, e o que se contempla com o coração. As duas perguntas, «Quem dizem os homens que Eu sou? Vós, porém, quem dizeis que Eu sou?», estabelecem antes de mais uma distinção entre o pensar da multidão e o dos discípulos, nitidamente marcada pela adversativa e pelo caráter enfático da segunda pergunta. O discípulo é chamado a ter um olhar capaz de mergulhar no mistério de Jesus, um olhar sem ambiguidades.

O que é que se vê de fora?
De fora, vê-se a identificação de Jesus com João Batista. O séc. I foi um tempo de correntes espirituais reformistas. O rio Jordão era um centro simbólico muito procurado por quem não se conformava à situação presente de Israel. Não é por acaso que João batiza no rio Jordão [...].
De fora, vê-se a identificação de Jesus com Elias. Elias foi arrebatado ao céu, segundo a tradição bíblica. No Judaísmo contemporâneo de Jesus acreditava-se que antes da aparição do Messias devia chegar Elias, desempenhando um papel escatológico em ordem ao estabelecimento do Reino de Deus. Elias teria a função de reconciliar Israel e prepará-lo para que o Senhor, ao chegar, não o destruísse devido ao seu pecado. [...]
De fora, vê-se a identificação de Jesus como um profeta. A atribuição do título de profeta, sobretudo pelas camadas populares, não era rara no tempo de Jesus. Vários personagens surgiram na Palestina do séc. I, intitulando-se como profetas ou sendo considerados como tal. A mensagem deles ia desde o apelo à conversão, como no caso de João Baptista, até ao fomento da revolta contra os Romanos. Num tal contexto sociopolítico, a identificação de Jesus como um profeta afigura-se muito verosímil. [...]

O que se vê de dentro?
Jesus não comenta as opiniões dos de fora, mas interroga diretamente os seus discípulos sobre o que pensam dele. A formulação da pergunta, ao distinguir os discípulos dos restantes atores, mostra que Jesus espera deles uma apreciação mais profunda. [...]
O discípulo é chamado a ver mais profundamente, a não contentar-se com o que ouve dizer. É impelido a tomar uma posição. O Evangelho não apresenta a compreensão de Jesus como algo de imediato, instantâneo e infalível. Ela, no coração da nossa Fé, está em formação. Nós vamos tateando, cada vez com mais transparência, a sua verdade. [...]

Uma resposta para guardar em silêncio
Não deixa de ser surpreendente a declaração final de Jesus, pedindo aos discípulos que transformem a declaração de Fé num segredo. [«proibiu-lhes severamente de o dizerem fosse a quem fosse»] Podemo-nos perguntar porquê?
O silêncio dá-nos consciência de que estamos numa etapa ainda provisória, ainda de passagem. Os discípulos não podem, por agora, compreender o sentido pleno das palavras que proferiram, pois estas só serão esclarecidas pela totalidade do destino de Jesus, quando acontecer o Mistério da sua Páscoa. Os discípulos estão, por enquanto, impedidos de anunciar Jesus abertamente, mas depois dos acontecimentos pascais serão testemunhas autorizadas. É importante perceber que tudo em nós tem de passar pelo mistério pascal de Jesus.
Mas o silêncio imposto por Jesus tem também um motivo espiritual: o que ama sabe que o que o amor lhe pede, antes de tudo, é que aprenda a guardar o segredo do que é amado. No amor, dizemos uns aos outros: guardar o teu segredo é o meu segredo. A ordem do segredo reivindica para a pergunta do meio do caminho o horizonte e a experiência do amor. Somos chamados a guardar o segredo de Jesus e a deixar que este segredo, profunda e vitalmente, nos estruture. Recomenda o Mestre Eckhart: «É preciso que haja silêncio ali onde essa presença deve ser percebida. Não podemos chegar a ela de maneira melhor do que através do silêncio; ali a compreendemos de maneira correta: na ignorância! Quando não sabemos mais nada, ela deixa-se ver e revela-se. [...] É partindo do conhecimento que devemos chegar ao não-conhecimento! Pois essa é uma forma superior de conhecimento.»
«E vós, quem dizeis que Eu sou?» — pergunta-nos Jesus.

© José Tolentino Mendonça
— «O Tesouro escondido. Para uma arte da procura interior», excerto das páginas 87 a 97 — 
© Paulinas Editora



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Décimo segundo domingo, Ano C
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 21.6.13 | Sem comentários
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