Eu digo fé. Tu dizes...


O Laboratório da fé convidou algumas pessoas, crentes ou não crentes, para escreverem um texto sobre a fé. O resultado é apresentado, mensalmente, nesta rubrica intitulada: «Eu digo fé. Tu dizes...». 
O texto que se segue é da autoria do bispo Dom António Moiteiro.

António Moiteiro, no Laboratório da fé, 2013

A fé dá-nos uma visão nova da vida

e leva-nos a ser discípulos de Jesus

O encontro do cego Bartimeu com Jesus é um dos textos mais vivos e significativos do Evangelho de Marcos (10, 46-52), não só por aquilo que se deduz imediatamente do texto, mas também pelo lugar onde o insere o evangelista e pela intensa rede de relações que estabelece com outras narrações do mesmo evangelho. Bartimeu representa cada um de nós e a nossa vida cristã deve inspirar-se nestas figuras bíblicas que são para nós autênticos modelos de fé.
O texto apresenta-se estruturado em etapas sucessivas, que manifestam a progressão do texto, pondo em relação a situação inicial e a final.
* Há um primeiro momento no qual Jesus está distante, separado de Bartimeu. Jesus está em movimento, saindo da cidade de Jericó; Bartimeu, pelo contrário, encontra-se numa posição estática, sentado ao lado do caminho e, portanto, aparentemente impossibilitado de entrar em contacto com Ele.
* Um segundo momento sublinha o esforço que este cego realiza para entrar em contacto com Jesus: tenta falar com Ele através do duplo grito: “Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim”, repetido, apesar do muro de dificuldades que constitui a multidão que rodeia Jesus.
* Num terceiro momento produz-se o encontro entre o cego e Jesus. A paragem de Jesus e o facto de o chamar permitem ao cego aproximar-se d’Ele.
* Num quarto momento desenvolve-se este contacto entre Jesus e o cego num diálogo pessoal e significativo, no qual se observa uma pergunta de Jesus, a resposta do cego e a palavra final de Jesus, que ilumina toda a narração: “Vai, a tua fé te salvou!”.
S. Marcos, ao escrever a história deste encontro, tenta oferecer à sua comunidade cristã e a cada um de nós um caminho de fé.
Bartimeu é modelo de uma fé forte, que é capaz de resistir às dificuldades, que continua a acreditar mesmo quando os outros tentam que nos calemos ou nos aconselham a que deixemos de acreditar e invocar a Deus.
Bartimeu tem uma fé capaz de se traduzir numa oração insistente e confiada: “Tem misericórdia de mim”. A profissão de fé perante a adversidade converte-se em súplica confiada e permanente.
Bartimeu converte-se em modelo daquele que está disposto a responder, logo a seguir à interpelação de Jesus, com uma resposta imediata e capaz de se libertar de tudo o que impede o encontro com Ele.
Bartimeu tem a coragem de pedir unicamente a Jesus que amadureça mais profundamente a sua fé. É o maior bem que deseja: “Que eu veja”. Já via, tinha confessado a sua fé em Jesus, mas a sua fé tinha necessidade de amadurecer, de se aprofundar mais ainda, de atingir aquela maturidade que se consegue quando se aceita ser discípulo de Jesus e partilhar o seu caminho, o seu destino, que é o caminho da cruz. A fé tem que amadurecer numa maior capacidade de servir: só assim, atingimos uma fé adulta. Somente aquele que tem a coragem de viver uma fé que ama, que serve, terá a possibilidade de compreender o coração da fé cristã, que é a fé no Filho de Deus crucificado, num Deus que não se manifesta no poder, mas na pobreza.
Este é o caminho para o qual nos conduz Bartimeu e que nos serve de modelo, como serviu a tantos outros cristãos nas primitivas comunidades cristãs: a fé leva-nos a compreender como todo o sentido da vida do discípulo consiste em pôr a própria existência ao serviço do amor até dar a vida como o Filho do homem, que veio não para ser servido mas para dar a vida pela multidão. Bartimeu converte-se, assim, no protótipo de uma comunidade cristã, onde cada um dos seus membros está disposto a pôr a sua vida ao serviço dos irmãos, inclusive o martírio se for necessário.

© António Moteiro
© Laboratório da fé, 2013


Outros textos publicados no Laboratório da fé 

Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 11.6.13 | Sem comentários
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