Mês de maio, Mês de Maria
Fátima representa, de um modo tão extraordinário que o nosso século apenas começou a descobrir, a afirmação de uma virtude proscrita e fundamental: a da Esperança.
Nos baldios de outrora, povoados de rochas e azinheiras, ou no santuário atual, o que as multidões ouvem não é nada que, de mil maneiras, já não tenha sido sussurrado à alma humana. Aliás, para os cristãos, todas as revelações são sequências, linhas de água que arrastam o Espírito pelas paisagens da História. Mas o manancial, a torrente incessante, a palavra que dessedenta é, ontem, hoje e sempre, Jesus Cristo.
Fátima tem a simplicidade e o mistério de uma página evangélica. É o seu enredo eterno que, diariamente, desenrola: as nossas histórias humanas, frágeis, estilhaçadas; o nosso brilho ameaçado; a nossa vida por salvar. Isso e o encontro com Maria que sugere: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (João 2, 5).
Numa cultura que se compraz em exaltações crepusculares, impotente face à crise de sentido e de valores, sem os quais as existências dos indivíduos e das sociedades facilmente se esboroam, Fátima vem recolocar a questão da Esperança, porque recoloca também a questão do Homem. Ensinando, na sua linguagem pobre (que escandaliza e confunde os sábios, mas que as crianças e, os que são simples como elas, entendem), que o Homem não tem de ser náufrago ou prisioneiro (eis a paradoxal proposta da «penitência»), mas que a vocação profunda da Pessoa Humana realiza-se na abertura e no diálogo com Deus (eis o que quer dizer a «oração»).
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Quebrando a casca dura dos pietismos pode-se melhor entender (e crer) até que ponto, por exemplo, a Consagração ao Imaculado Coração de Maria, um dos aspetos centrais da mensagem, ao contrário de ação intimista e espiritualmente vaga, é ousadia de afirmar o triunfo do coração como cimento de um mundo novo que deve nascer. Um mundo que não tome os ínvios caminhos da desmedida e da desumanidade. Um mundo que não ignore a justiça e o bem. Um mundo que estimule os laços de fraternidade para lá de todas as fronteiras. Um mundo que potencie o acontecer da beleza e da alegria. Um mundo que pressinta o silencioso e redentor brilho de Deus.
Fátima é um laboratório da humanidade renovada. O fluir da salvação, encetada no já e no agora desta vida. Uma proposta de redenção próxima e amável, como uma mão amiga estendida ou uma porta entreaberta nas nossas noites errantes de peregrinos.
À medida que o tempo passa, acredito mais no segredo de Fátima. Nesse segredo que desassossega, que nos arranca de casa, dos trabalhos, da cidade e nos lança, peregrinos, para a imensidão das estradas. Eu acredito num "não sei quê" que esse segredo derrama em nós: uma porção de confiança, de abandono e de aventura. Uma vontade de tornar a vida mais que tudo verdadeira. De tornar generosos os projetos e fecundos os laços que nos ligam aos outros. De tornar absoluta a nossa sempre frágil Esperança. [...]
© José Tolentino Mendonça
© Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural, 2013