— A missão no laboratório da fé —

Numa das minha visitas às comunidades da missão de Ocua, no Norte de Moçambique tive a oportunidade de conversar com o chefe da mesquita local. Era um velho muito simpático que com muita gentileza veio-me saudar. Pedi-lhe que se sentasse e conversasse um pouco comigo. Contou-me as novidades de casa e da sua comunidade muçulmana e eu contei-lhe como estavam as comunidades cristãs na missão de Ocua. Chegamos à conclusão que onde há pessoas há problemas e alegrias.



Nunca pensei que um sacerdote muçulmano e um sacerdote católico conversassem como velhos amigos sobre assuntos que noutros tempos eram blasfémias para ambas as partes. Como é belo entrever no outro crente um irmão a conhecer, respeitar e a amar, para darem – em primeiro lugar naquela terra – um bom testemunho de serena convivência entre filhos de Abraão. Tanto eu como o Alid Abdul (sacerdote da Mesquita de Ocua) professamos seguir a fé de Abraão e adoramos o Deus único e misericordioso. Em vez de instrumentalizarmos em conflitos sem fim, injustificáveis para um verdadeiro crente – abrimos a porta da nossa vida com um coração puro, deixando que a paz nos alcance e o respeito e tolerância nos abrace.
A conversa ia percorrendo o seu caminho habitual quando de repente dei-me conta de que estávamos a conversar sobre o Deus verdadeiro e o sentido da vida. Nem ele nem eu dissemos o nome desse Deus.
Na sua simplicidade o chefe da mesquita disse-me com os olhos a brilharem e com um sorriso profundo: «sabe padre, o Deus verdadeiro encontra-se no meio dos pobres, nas maravilhas da natureza, no meio da simplicidade das vidas que tocamos... e ai encontramos o sentido da vida, porque encontramos Deus». Nunca imaginei ouvir aquelas palavras tão sábias, sobre as quais tenho meditado muito... É no meio da humildade, nos gestos pequenos e no silêncio que os pobres nos oferecem que lá podemos descobrir Deus. Dizia ainda aquele velho muçulmano: «muitos homens são infelizes, porque trocaram Deus por uma mentira que eles próprios inventaram».
Todo o ser humano procura um sentido para a sua vida, um caminho que o ajude a ser feliz. Todos andamos à procura de um sentido verdadeiramente real que nos possa encher o coração, que nos dê vontade para abrir os olhos cada manhã e olhar com confiança o dia que Deus nos dá. Dentro de cada um de nós há sempre um desejo de ser melhor, de amar mais os outros, de realizar qualquer coisa de diferente. Contudo, o corre-corre da vida dá-nos uma rotina tão complexa, que não nos dá tempo para pensarmos no que andamos a fazer, para descobrirmos o Deus verdadeiro, que nos habita...
Há bastante tempo que todos os dias de manhã e de tarde sigo um conselho daquele sacerdote muçulmano, que me disse como uma confidência, como sendo um dos seus maiores segredos para começar e terminar o dia a pensar no Deus verdadeiro e no sentido da sua vida. Dizia ele: «padre todas as manhãs contemplo o nascer do dia, encho-me daquela beleza e faço uma promessa a Deus para cumprir naquele dia. Quando chega o pôr-do-sol volto a contemplar aquela maravilhosa despedida do sol e agradeço a Deus a realização da promessa ou peço-lhe perdão por não a ter realizado». A contemplação destas maravilhas de Deus ajuda-me a encontrar e a descobrir o Deus verdadeiro na natureza e no meio dos pobres, porque a minha promessa a Deus é sempre a mesma: «Deus, hoje vou ser mais acolhedor, vou dialogar mais para me encontrar e encontrar-Te no meio dos meus irmãos».
Muitos seres humanos têm dificuldades de encontrar o Deus verdadeiro, porque não sentem a experiência d’Ele nas suas vidas, porque nunca pararam para contemplar as maravilhas de Deus, porque nunca falam com Ele da sua vida. Deus é tanto ou mais para eles na medida em que os próprios são para Deus.
Para alguns Deus não passa de uma utopia humana, para vivermos felizes com essa ideia. Não querem que a ideia de Deus os inquiete e por isso ignoram-no ou dizem que Ele é um mito ou uma utopia da fraqueza humana. Para estes Deus é uma espécie de juiz que eles não querem enfrentar, por isso o mais fácil é negar a Sua existência. Negando Deus negam-se a si próprios.
Quando não procuramos Deus, a vida é um lugar frio, rotineiro, azedo, viciado e cáustico. Em que a pessoa sente, a escuridão de si mesmo, a opressão e o horror da falta de sentido, vê a sua vida como um nada a ser lavada no mundo do absurdo e do desencanto. Perde o horizonte e a referência que lhe dava segurança. Perde por momentos calor humano da vida. Então sente o frio do abandono e da tristeza. Tudo parece perdido. É como uma gaivota que voa sem rumo...
Não existe nenhum remédio para descobrir o Deus verdadeiro. Existe sim uma vontade muito forte dentro de cada um de nós de se encontrar e de O encontrar. O segredo é não deixar apagar esse lume que arde dentro de cada um de nós e fazer qualquer coisa para ele se mantenha vivo. O Deus verdadeiro está aí, não lhe armemos mentiras para vivermos sossegados. Como se Ele nunca se tivesse revelado, como se nunca tivéssemos tido um momento de verdadeira felicidade por O termos encontrado. Ninguém o descobre de uma vez só. Eu continuo na descoberta...

Padre João Miguel Torres Campos

Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 9.11.12 | Sem comentários
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