PREPARAR A SEXTA-FEIRA SANTA

18 DE ABRIL DE 2014


Isaías 52, 13 – 53, 12

Vede como vai prosperar o meu servo: subirá, elevar-se-á, será exaltado. Assim como, à sua vista, muitos se encheram de espanto – tão desfigurado estava o seu rosto que tinha perdido toda a aparência de um ser humano – assim se hão de encher de assombro muitas nações e, diante dele, os reis ficarão calados, porque hão de ver o que nunca lhes tinham contado e observar o que nunca tinham ouvido. Quem acreditou no que ouvimos dizer? A quem se revelou o braço do Senhor? O meu servo cresceu diante do Senhor como um rebento, como raiz numa terra árida, sem distinção nem beleza para atrair o nosso olhar, nem aspeto agradável que possa cativar-nos. Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós. Ele suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores. Mas nós víamos nele um homem castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre ele o castigo que nos salva: pelas suas chagas fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, cada qual seguia o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre ele as faltas de todos nós. Maltratado, humilhou-se voluntariamente e não abriu a boca. Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante aqueles que a tosquiam, ele não abriu a boca. Foi eliminado por sentença iníqua, mas quem se preocupa com a sua sorte? Foi arrancado da terra dos vivos e ferido de morte pelos pecados do seu povo. Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios e um túmulo no meio de malfeitores, embora não tivesse cometido injustiça, nem se tivesse encontrado mentira na sua boca. Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades. Por isso, Eu lhe darei as multidões como prémio e terá parte nos despojos no meio dos poderosos; porque ele próprio entregou a sua vida à morte e foi contado entre os malfeitores, tomou sobre si as culpas das multidões e intercedeu pelos pecadores.



Terminados os sofrimentos, verá a luz


O texto no seu contexto
. Os quatro poemas do Servo são um expoente claro do paradoxo como expressão do Deus bíblico: Deus não se revela no argumento evidente, no anúncio esperado, nos caminhos trilhados; Deus leva-nos por caminhos imprevistos, por anúncios surpreendentes, por argumentos inauditos. No livro do Deutero-Isaías («Segundo Isaías») sobressai, com uma luz própria, o quarto cântico do Servo de Yahveh, que se proclama na liturgia de Sexta-feira Santa. O «Servo-Salvador» carrega sobre si as culpas dos outros; a sua beleza não é a das convenções humanas; e mais: pode tornar-se até repelente. É o «justo» julgado injustamente. Sendo vexado, reza pelos pecadores; estando ferido, cura a multidão. Não estamos perante a figura do triunfo e da beleza segundo o humano, mas ante o paradoxo de Deus que faz surgir a salvação e a vida onde aparentemente só há condenação e morte.

O texto na história da salvação. A interpretação da figura do Servo de Yahveh tem uma história própria. Em primeiro lugar, é um texto dos profetas hebreus: como interpretar os poemas dentro da tradição messiânica do judaísmo? Por outro lado, é um texto que, com os outros três poemas, salpica o livro do Deutero-Isaías, que anuncia o regresso do povo deportado a Jerusalém. São textos com uma coerência interna que se nos escapa ou são textos independentes que um último editor uniu uns com os outros? Ao ler a Escritura como uma única história de amor de Deus, como uma única aliança de amor que se inicia na criação e que culmina em Cristo, a figura do Servo foi legitimamente lida à luz da paixão e morte na cruz de Jesus, que se entregou até ao final e que carregou com o peso e as culpas que não lhe correspondiam.

Palavra de Deus para nós: sentido e celebração litúrgica. Na liturgia de Sexta-feira Santa, todos os olhares se dirigem para Cristo crucificado. A partir do coração da Escritura, não contemplamos uma cena dolorosa alheia à história da salvação; muito menos uma exaltação do sofrimento cruel sem sentido. Para a teologia bíblica, a figura do Servo de Yahveh é antecipação da entrega amorosa de Cristo e expressão sublime que nos revela o próprio coração de Deus: o perdão, a ternura, a paciência e a paz são o único caminho para a salvação.

© Pedro Fraile Yécora, Homiletica
© tradução e adaptação de Laboratório da fé, 2014
A utilização ou publicação deste texto precisa da prévia autorização do autor

Preparar a Sexta-feira Santa, no Laboratório da fé, 2014

Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 18.4.14 | Sem comentários
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