NOVEMBRO: MÊS DA ESCATOLOGIA


O mês de novembro, no coração do outono, remete-nos para as coisas últimas da vida, o final dos tempos. Ao mesmo tempo, coincide com o final do Ano Litúrgico (Ano Cristão), cujas propostas incidem nas referências à morte, ao final dos tempos (na Igreja, usa-se o termo «escatologia»), à esperança na ressurreição, à vida eterna. Os primeiros dias do mês de novembro (Todos os Santos e Fiéis Defuntos) dão o mote para uma renovada reflexão sobre estas temáticas. Neste contexto, também associado ao encerramento do Ano da Fé (24 de novembro de 2013), propomos a expressão do «Credo niceno-constantinopolitano»: «Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir». Esta iniciativa tem ainda como ponto de referência a conferência do Padre Doutor José Tolentino Mendonça, às 21h do dia 21 de novembro de 2013, no Auditório Vita, Braga.

Apresentamos, agora, a reflexão de Bento XVI, retirada dos números 10 a 12 da Carta Encíclica sobre a esperança cristã — «Spe Salvi»:

Para nós, hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós aquela é «performativa» – uma mensagem que molda de modo novo a mesma vida – ou é simplesmente «informação» que, entretanto, pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes? Na busca de uma resposta, desejo partir da forma clássica do diálogo, usado no rito do Batismo, para exprimir o acolhimento do recém-nascido na comunidade dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de mais nada, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e prosseguia: «O que é que pedis à Igreja?». Resposta: «A fé». «E o que é que vos dá a fé?». «A vida eterna». Como vemos por este diálogo, os pais pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na fé a chave para a «vida eterna». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se trata no Batismo, quando nos tornamos cristãos: é não somente um ato de socialização no âmbito da comunidade, nem simplesmente de acolhimento na Igreja. Os pais esperam algo mais para o batizando: esperam que a fé – de que faz parte a corporeidade da Igreja e dos seus sacramentos – lhe dê a vida, a vida eterna. Fé é substância da esperança. Aqui, porém, surge a pergunta: Queremos nós realmente isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom. Certamente a morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro: «Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça». Antes, Ambrósio tinha dito: «Não devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal».
Independentemente do que Santo Ambrósio quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo que a eliminação da morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo. Obviamente há uma contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior da nossa mesma existência. Por um lado, não queremos morrer; sobretudo quem nos ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não desejamos continuar a existir ilimitadamente, nem a terra foi criada com esta perspetiva. Então, o que é que queremos na realidade? Este paradoxo da nossa própria conduta suscita uma questão mais profunda: o que é, na verdade, a «vida»? E o que significa realmente «eternidade»? Há momentos em que de repente temos a sua perceção: sim, isto seria precisamente a «vida» verdadeira, assim deveria ser. Em comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos «vida», na verdade não o é. Agostinho, na sua extensa carta sobre a oração, dirigida a Proba – uma viúva romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no fundo, queremos uma só coisa, «a vida bem-aventurada», a vida que é simplesmente vida, pura «felicidade». No fim de contas, nada mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto se trata. Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. «Não sabemos o que convém pedir» – confessa ele citando São Paulo (Romanos 8, 26). Sabemos apenas que não é isto. Porém, no facto de não saber sabemos que esta realidade deve existir. «Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância» («docta ignorantia») – escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos esta «vida verdadeira»; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso nos sentimos impelidos.
Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo, desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que ansiamos. Esta «coisa» desconhecida é a verdadeira «esperança» que nos impele e o facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro. A palavra «vida eterna» procura dar um nome a esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão. Com efeito, «eterno» suscita em nós a ideia do interminável, e isto mete-nos medo; «vida», faz-nos pensar na existência por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjeturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no Evangelho de João: «Eu hei de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (16, 22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos da fé, do nosso estar com Cristo.

© Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana
© Adaptação de Laboratório da fé, 2013


Novembro, mês da escatologia — Laboratório da fé, 2013
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 13.11.13 | Sem comentários
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