As «chaves» do Concílio


Lumen Gentium — Constituição Dogmática sobre a Igreja


Pois, comunicando o seu Espírito, constituiu como seu Corpo todos os seus irmãos, chamados de entre todos os povos.
É nesse Corpo que a vida de Cristo se difunde nos que crêem, unidos de modo misterioso e real, por meio dos sacra­mentos, a Cristo padecente e glorioso. Ao participar realmente do Corpo do Senhor, na fração do pão eucarístico, somos eleva­dos à comunhão com Ele e entre nós. «Porque há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto partici­parmos todos do único pão» (1Coríntios 10, 17). E deste modo nos tornamos todos membros desse corpo (cf. 1Coríntios 12, 27), sendo «individualmente membros uns dos outros» (LG 7).

Antecedentes
Os bispos reunidos no Concílio Vaticano II acharam que já não era adequado falar da Igreja apenas em termos das suas estruturas institucionais e jurídicas, aplicando a noção de «Igreja militante» ou o modelo de uma «sociedade perfeita» de Roberto Belarmino. Para melhor expressar a vocação da Igreja tanto nas suas dimensões divina/espiritual como humana/institucional, optaram por uma abordagem mais sacramental. Isso reflete-se no conceito da «Lumen Gentium» da Igreja como sacra­mento de unidade ou de comunhão desejado por Deus para toda a humanidade (LG 1). A Igreja como «koinonia-comunhão» é apre­sentada ainda como povo peregrino reunido e conduzido por Deus no seu caminho através da história para a plena realização da sua chamada. O conceito da Igreja como sacramento é moldado por uma teologia encarnacional centrada numa compreensão de como o amor de Deus nos é revelado na humanidade de Jesus de Nazaré e através dele. Ao dizer que a Igreja é como um sacramento, a «Lumen Gentium» afirma que Cristo continua a operar no mundo, nessa mesma comunidade humana e por meio dela. Vimos que o Espírito Santo suscita a nossa comunhão ou «koinonia» com Cristo e uns com os outros, permitindo que a Igreja seja esse sinal e agente de comunhão no mundo. A comunhão, tal como o Vaticano II entende a Igreja, é mais aprofundada nas reflexões conciliares sobre a ligação entre a Eucaristia e a vida da Igreja. Um regresso ao ensinamento do Novo Testamento e dos Padres da Igreja foi decisivo para a redescoberta de uma eclesiologia eucarística por parte da teologia católica.


Participando («koinonia») no Corpo de Cristo

Os escritos neotestamentários de São Paulo mantêm conti­nuamente em equilíbrio a nossa relação pessoal de comunhão com Cristo e a nossa comunhão com todos os fiéis batizados, simultaneamente significada na Eucaristia. Para São Paulo, o vín­culo de unidade que celebramos na Ceia do Senhor não pode ser reduzido a uma ligação entre o crente individual e Cristo. A comunhão em que somos incorporados mediante o dom do Espírito tem uma dimensão tanto vertical como horizontal. A nossa relação com Cristo é inseparável de uma longa e nova série de relações — na qual nos introduz — com todos aqueles que pertencem ao seu Corpo e que constituem as primícias de uma nova humanidade transformada na sua imagem. Quando surgem divisões, na comunidade de Corinto, à mesa do Senhor, Paulo não hesita em criticar a sua incapacidade de discernir a presença do seu Corpo — não só no pão e no vinho, mas também nas suas relações mútuas. Quando os irmãos não mostram reverência pelos outros ou os tratam injustamente, Paulo considera a sua participação na Eucaristia uma forma de «idolatria» ou de falso culto. Nesse contexto, recorda-lhes a «koi­nonia» de que todos participam (1Coríntios 10, 16-17). O ensinamento de Paulo é uma exortação a seguir uma ética consistente em termos de atos comunitários; os seus atos devem ser conformes com a realidade que celebram na Eucaristia.
Essa eclesiologia eucarística será mais desenvolvida nos escri­tos de Santo Agostinho, o qual explica que de cada vez que recebemos a Eucaristia, a realidade que recebemos através dos sinais sacramentais do pão e do vinho é, ao mesmo tempo, o Corpo e o Sangue de Cristo e a unidade da Igreja. Comentando a carta de Paulo aos Colossenses, afirma ele: «Tornais-vos o pão, ou seja, o corpo de Cristo». Agostinho leva por diante a linha de pensamento paulina que une o Corpo eucarístico e o Corpo eclesial. São dois aspetos indivisíveis de uma única realidade. Tornamo-nos mais profundamente incorporados em Cristo através do me­morial eucarístico. Com efeito, o significado central da Eucaristia é o amor, o amor de Cristo derramado por nós no mistério pascal, o mesmo amor do qual participamos de cada vez que pomos de parte os nossos interesses pessoais e nos voltamos para os outros. Por isso, Agostinho argumentava que a Eucaristia era uma pedagogia da vida cristã, onde aprendemos que o amor a Deus e o amor ao próximo não são realidades separadas. A experiência do amor de Deus amplia a nossa capacidade de amar os outros.

© Richard R. Gaillardetz - Catherine E. Clifford
© Paulinas Editora, 2012
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Catherine E. Clifford e Richard R. Gaillardetz, As «chaves» do Concílio, Paulinas Editora, Prior Velho, 2012 (material protegido por leis de direitos autorais)


  • Eclesiologia eucarística [1]  [2]  [3]  [4]  [5]  [6]


Reflexões sobre a Igreja no Laboratório da fé
Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 8.7.13 | Sem comentários
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