PREPARAR O DOMINGO: décimo segundo domingo
23 DE JUNHO DE 2013
Nos três Evangelhos sinópticos aparece, como momento significativo no caminho de Jesus, a hora em que Ele pergunta aos discípulos o que as pessoas pensam d'Ele e como O vêem eles mesmos (Marcos 8, 27-30; Mateus 16, 13-20; Lucas 9, 18-21). Nos três Evangelhos, Pedro responde em nome dos Doze com uma confissão que se distingue claramente da opinião da «multidão». Nos três Evangelhos, Jesus anuncia logo a seguir a sua paixão e ressurreição e, depois deste anúncio do seu destino pessoal, pronuncia um ensinamento sobre o caminho dos discípulos, que consiste em segui-l’O, ao Crucificado. Nos três Evangelhos, porém, este segui-Lo sob o signo da cruz é por Ele explicado de forma essencialmente antropológica, ou seja, como o caminho de «perder-se a si mesmo», que é necessário ao homem, pois sem isso não lhe é possível encontrar-se a si mesmo (Marcos 8, 31 - 9, 1; Mateus 16, 21-28; Lucas 9, 22-27). [...]
A confissão de Pedro só se pode compreender corretamente relacionada com o anúncio da paixão e com as palavras acerca do seguimento: estes três elementos — a palavra de Pedro e a dupla resposta de Jesus — estão inseparavelmente ligados. [...]
De acordo com a sua visão da figura de Jesus, Lucas liga a confissão de Pedro a um momento de oração, começando a narração da história com um paradoxo propositado: «Um dia, quando [Jesus] orava sozinho, estando com Ele os seus discípulos...» (9, 18). Os discípulos são introduzidos no seu estar sozinho, no seu reservadíssimo estar com o Pai. É-lhes permitido vê-Lo como Aquele que fala face a face com o Pai. Podem vê-Lo no íntimo do seu ser, no seu ser Filho, no ponto donde provêm todas as suas palavras, as suas ações, a sua potestade. A eles é concedido ver o que a «multidão» não vê, e desta visão deriva um conhecimento que ultrapassa as «opiniões» da «multidão». Desta vista, dimana a sua fé, a sua confissão; sobre isto, poder-se-á depois edificar a Igreja.
Aqui encontra o seu lugar interior a dupla pergunta de Jesus sobre a opinião da multidão e sobre a convicção dos discípulos. O facto pressupõe que haja, de uma parte, um conhecimento exterior de Jesus, não necessariamente falso mas insuficiente, ao que se contrapõe um conhecimento profundo, ligado ao discipulado, à companhia no caminho, capaz de crescer apenas em tal âmbito.
Quem dizem as multidões que Eu sou?
Os três sinópticos estão de acordo na afirmação de que, segundo a multidão, Jesus seria João Baptista ou Elias ou um dos outros Profetas que teria ressuscitado [...].Elemento comum a estas concepções é o facto de inserirem Jesus na categoria dos profetas, uma categoria que estava à disposição como chave interpretativa a partir da tradição de Israel. Em todos os nomes referidos para a interpretação da figura de Jesus ressoa de certo modo o momento escatológico, a expetativa de uma viragem que pode ser acompanhada simultaneamente da esperança e do temor. Enquanto Elias personifica mais a esperança da restauração de Israel, Jeremias é uma figura da paixão, o anunciador da falência da forma de Aliança então em vigor e do santuário que representava, por assim dizer, a garantia concreta da mesma; mas ele é também portador da promessa de uma Nova Aliança que nascerá da queda. No seu sofrimento, no seu desaparecimento por entre a obscuridade da contradição, Jeremias é o portador vivo deste duplo destino de queda e renovação.
Todas estas opiniões não são totalmente erradas; traduzem aproximações menores ou maiores ao mistério de Jesus, a partir das quais é possível, sem dúvida, abrir caminho para o núcleo essencial. Mas não atingem a verdadeira natureza de Jesus, a sua novidade. Interpretam-No a partir do passado e de quanto geralmente acontece e é possível, mas não a partir d’Ele mesmo, não na sua unicidade, que não é possível inserir em mais nenhuma categoria. Neste sentido, também hoje se encontra muito claramente a opinião da «multidão» que de algum modo conheceu Cristo, talvez até O tenha estudado cientificamente, mas não O encontrou pessoalmente na sua especificidade e na sua total alteridade [...]
E vós, quem dizeis que Eu sou?
À opinião da multidão contrapõe-se o conhecimento dos discípulos, que se manifesta na confissão de fé. Esta, como aparece expressa? É formulada de modo diferente em cada um dos três sinópticos, e de forma ainda mais diversa em João. Segundo Marcos, Pedro diz a Jesus simplesmente: «Tu és o Cristo [o Messias]» (8, 29). Segundo Lucas, Pedro designa-O como «o Messias [o Ungido] de Deus» (9, 20); e, segundo Mateus, diz: «Tu és o Cristo [o Messias], o Filho do Deus vivo» (16, 16). Em João, por sua vez, a confissão de Pedro é do seguinte teor: «Tu és o Santo de Deus» (6, 29). [...]Em primeiro lugar, é importante ver que a forma específica do título deve ser compreendida sempre na totalidade de cada um dos Evangelhos e na sua forma particular de tradição. Importante é sempre a ligação com o processo de Jesus, ao longo do qual a confissão dos discípulos aparece de novo como pergunta e acusação. [...] Em Lucas, Pedro reconhece Jesus como «o Messias (Cristo, o Ungido) de Deus». Aqui encontramos de novo o que o velho Simeão já sabia do Menino Jesus: fora-lhe preanunciado como o Messias do Senhor (Lucas 2, 26). Como imagem oposta a esta, temos os «chefes do povo» que zombam de Jesus ao pé da cruz, dizendo: «Salvou os outros; salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito» (Lucas 23, 35). [...]
Mas, do Evangelho de Lucas, convém citar outro acontecimento importante para a fé dos discípulos em Jesus: a história da pesca milagrosa, que termina com o chamamento de Simão Pedro e dos seus companheiros para se tornarem discípulos. Aqueles experimentados pescadores não tinham pescado nada durante toda a noite, e agora Jesus exorta-os a fazerem-se de novo ao largo em pleno dia e a lançarem as redes. Segundo os conhecimentos práticos destes homens, trata-se de uma sugestão pouco sensata, mas Simão responde: «Mestre, (...) porque Tu o dizes, lançarei as redes» (Lucas 5, 5). E segue-se a pesca abundantíssima, que deixa Pedro profundamente impressionado. Em atitude de adoração, lança-se aos pés de Jesus e diz: «Afasta-Te de mim, Senhor, que sou um homem pecador» (5, 8), No sucedido, reconheceu a própria força de Deus, que atua através de Jesus, e este encontro direto com o Deus vivo em Jesus abala-o no mais íntimo de si mesmo. À luz e sob o poder desta presença, o homem reconhece a sua miséria. Não consegue suportar a força formidável de Deus — é espaventosa para ele. Visto ao nível da história das religiões, trata-se de um dos textos mais impressionantes para ilustrar aquilo que acontece quando o homem se encontra inesperada e diretamente exposto à proximidade de Deus; então nada mais consegue fazer senão espaventar-se daquilo que ele é, e pedir para ser libertado da imensidão desta presença. Esta perceção imediata da proximidade do próprio Deus em Jesus exprime-se no título que Pedro usa agora para Jesus: «Kyrios» — Senhor. Trata-se da designação de Deus usada no Antigo Testamento para substituir o nome inefável por Ele revelado junto da sarça ardente. Se antes da saída para o mar Jesus era para Pedro o «epistáta» (significa mestre, professor, rabino), agora reconhece n’Ele o «Kyrios». [...]
Quem é Jesus Cristo?
N’Ele, as grandes palavras messiânicas revelavam-se, de modo impressionante e inesperado, verdadeiras: «Tu és meu filho, hoje mesmo te gerei» (Salmo 2, 7). Em momentos mais significativos os discípulos, perturbados, davam-se conta: «Este é o próprio Deus».
Não conseguiram articular tudo isto numa resposta perfeita. Utilizaram, com razão, as palavras de promessa da Antiga Aliança: Cristo-Ungido, Filho de Deus, Senhor. São estas as palavras fundamentais em que se concentrou a sua confissão, a qual no entanto continuava ainda à procura caminhando quase às apalpadelas. Tal confissão só pôde encontrar a sua forma completa no momento em que Tomé, depois de tocar as chagas do Ressuscitado, comovido exclamou: «Meu Senhor e meu Deus!» (João 20, 28). Em última instância, porém, mesmo com esta palavra, continuamos sempre a caminho. A mesma é tão sublime que nunca conseguiremos entendê-la totalmente, sempre nos ultrapassa. Ao longo de toda a sua história, a Igreja vive em perene peregrinação para penetrar esta palavra, que só se pode tornar compreensível para nós no contacto com as chagas de Jesus e no encontro com a sua ressurreição, transformando-se depois para nós numa missão.
© Bento XVI