— Laboratório da fé na missão —

A vida em África é movida pela corrente da aventura, do desprendimento e do carinho que depositamos e recebemos das pessoas. Todos os dias são importantes, mas o domingo reveste-se de um carácter especial.
No mês de Fevereiro, equipa missionária da Missão do Chiúre planeou algumas visitas ao domingo a diversas comunidades. Todas as visitas foram deslumbrantes. Todavia, uma delas marcou-me muito pela sua singularidade. 
No primeiro domingo de Fevereiro, estava destinada a visita à comunidade de Ntonhane. Levantei-me bastante cedo, porque a distância era bastante longa. O Pe. José Marques, um dos missionários que está comigo, continuava doente. A sua doença prolongada, impossibilitou-o de ir visitar a comunidade de Mujipala e mandou avisar que não iria. 
Informaram-me do percurso para chegar até Ntonhane. Avisaram-me, que quando chegasse à aldeia do Chiúre Velho, devia mudar de direcção, junto a umas mangueiras, onde várias mulheres habitualmente vendem mangas. Quando cheguei à aldeia do Chiúre Velho, o meu guia informou-me que a aldeia era enorme e que as casas estavam escondias no meio da mata, o que nos impossibilitava de perguntar a alguém a direcção para Ntonhane. Andei cerca de 40 km à procura das mangueiras e das vendedoras de mangas. Descobri mais tarde, que naquele domingo não foram vender mangas e como todo o percurso tinha mangueiras foi difícil descobrir o verdadeiro caminho. O meu guia de viagem só conhecia o caminho até ao Chiúre Velho. 
Voltamos para trás e quando estávamos a chegar ao início do caminho, que nos induziu em erro, vimos alguém que nos mandou parar. Era o animador de uma comunidade próxima dali, que logo se prontificou a guiar-nos até Ntonhane. 
O caminho era de terra batida. Estava muito degradado e não se viam sinais de outros carros, que tivessem passado por ali nos últimos dias. Andei cerca de 1 hora até chegar à comunidade, que esperava por mim em festa.






Quando cheguei saudei toda a gente. A saudação é para este povo um sinal de alegria e de agradecimento pela visita do padre, por isso, toda a gente quer cumprimentar o padre. Tocar no padre é receber uma benção, segundo os seus costumes. Além dos cristãos, estavam presentes muitos catecúmenos, simpatizantes da Igreja católica, alguns curiosos e bastantes membros da comunidade muçulmana. Os muçulmanos gostam de estar presentes, porque para eles, a visita do padre é importante para toda a aldeia e não só para os cristãos. 
Combinei com os animadores da comunidade o programa da visita. Começamos com uma celebração penitencial, na qual se convidaram os cristãos a reconciliarem-se com Deus. Este grande encontro de reconciliação durou cerca de duas horas. Entretanto, o animador do canto pediu autorização para ensaiar os cânticos com toda a assembleia para a Eucaristia. A animador da comunidade pediu para falar comigo, antes da celebração. Vinha consigo o animador zonal. Notei que ele estava cansado e muito preocupado.

— Sr. Padre a comunidade de Ntonhane está à sua espera, disse-me o animador zonal. 
— Eu estou em Ntonhanne, respondi eu ingenuamente. 
— Não Sr. Padre, está em Mujipala, respondeu ele com um sorriso. 
— Houve confusão!! O animador que veio consigo sabia que um padre vinha para Mujipala, mas não sabia que outro padre iria para Ntonhane. Ora como Mujipala faz parte da zona de Ntonhane, ele pensou que era esta a aldeia que vinha visitar. Alertou o animador da comunidade de Mujaja.
— Mujipala ia ser visitada pelo Pe. José Marques, mas ele continua doente e mandou ontem um recado, por um catequista, disse eu. 
— Como sabe Sr. Padre, ontem houve uma tempestade e o catequista não conseguiu chegar aqui com o recado, disse o animador zonal. 
— Agora não me posso ir embora. Avisem a comunidade de Ntonhane que depois de terminar aqui a visita, vou lá. Entretanto façam a celebração da Palavra, como é costume, que eu depois farei uma celebração penitencial, confissões e distribuição da comunhão.

O animador zonal partiu logo. Alertei os principais responsáveis da comunidade de Mujipala para celebrarmos sem atropelos, mas para não demorarmos muito tempo, porque a comunidade de Ntonhane estava á minha espera. Iniciamos a celebração eucarística com a alegria habitual, que este povo coloca nas coisas de Deus. A celebração durou 2h30m. Não durou muito tempo, para aquilo que é habitual neste tipo de visitas. No fim da Eucaristia, os responsáveis da comunidade apresentaram alguns problemas relacionados com a vida da comunidade. Eu ouvi e aconselhei segundo os princípios do Evangelho. Pediram-me para almoçar, mas tive que recusar, pois os nossos irmãos de Ntonhane estavam á minha espera. Todos compreenderam, pois como alguém disse “os de Ntonhane são também filhos de Deus”. 
Parti com o coração cheio de olhares e sorrisos. Pelo caminho em direcção a Ntonhane ia a pensar no meu atraso de 6 horas e nos 15 Km que ainda tinha que percorrer pelo mato. Como me iriam receber? Iria encontrar a capela com alguém? 
Quando cheguei a Ntonhane os meus olhos deixaram cair algumas lágrimas. Era uma multidão de gente que se tinha colocado de um lado e do outro do caminho. Todos batiam palmas e diziam: “bem-vindo padiri”. Ninguém tinha ido embora, porque todos queriam ver o padre e receber o perdão de Deus. Muitas destas comunidades não viam o padre há mais de 3 anos. 
Saudei individualmente toda a gente. Eram mãos magras e rostos ressequidos pela fome, mas com um sorriso de quem sabe o profundo sentido da vida. Depois de pedir desculpas, pelo meu atraso, iniciei a celebração penitencial. Foram muitos os que receberam o perdão de Deus. 
No fim da celebração, os animadores da comunidade apresentaram um relatório das suas actividades, assim como, os responsáveis dos vários sectores da pastoral. Alguns cristãos apresentaram-me alguns problemas que eram necessários serem resolvidos na presença do padre. 
A noite começava a cair quando o animador zonal me disse que o “almoço” estava pronto. Mataram um leitão para festejar a visita comigo. Comi rodeado de vários representantes da comunidade, que me encheram de alegria pela sua simplicidade e humildade. Muitos esperaram por mim, para me darem os últimos agradecimentos. 
Parti, para a sede da missão, com um gozo interior, que as palavras não conseguem explicar...

Padre João Miguel Torres Campos

Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 13.3.13 | Sem comentários
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