Querido Amigo, 

É gratificante voltar a reler algumas cartas. 
Sobretudo as cartas escritas à mão. 
Eu defendo sempre a importância de escrever à mão, 
pois é um processo que me permite recolher com maior fidelidade a vibração interior. 
A caneta na mão sobre o papel em branco 
é como que um prolongamento mais direto do coração. 
Mas estou a descobrir que também é muito interessante reler cartas já recebidas: 
é voltar a recordar uma amizade entretecida nas preciosas linhas de uma carta amiga, 
é voltar a sentir perto de mim esta pessoa amiga, 
chegar, mesmo, a viver uma nova experiência. 
E uma nova experiência pode ser sempre ocasião de um novo enriquecimento. 
Tanto assim, que estou a considerar reservar-me algum tempo semanal 
para esse «reencontro de leitor» com as minhas amizades. 

Todos estes pensamentos talvez me sejam sugeridos pelo facto de estes dias 
findar o Ano Litúrgico e começarmos em seguida o tempo litúrgico do Advento. 
Eu diria que o Ano Litúrgico é como uma boa reportagem que recolhe a história, 
uma história de amor, vivida entre Deus e o ser humano
Uma reportagem para celebrar e viver essa história de amor
Uma reportagem que começa com a criação de Deus, a bondade de Deus 
que se derrama no tempo, continua com uma relação entre o humano e o divino, 
para culminar com a nova criação, a do homem novo, 
e que nos mostra dois momentos especialmente significativos: 
a Encarnação e a Ressurreição. 

Bem, pois agora dispomo-nos a «reler», a celebrar, a viver, essa carta de Deus,
escrita e vivida ao longo de séculos com a sua criatura humana
Esta carta de Deus, este Mistério divino é algo vivo, 
que me faz descobrir de novo o coração vibrante de profundo amor 
de um Deus que me convida, e a todos quantos celebram este tempo litúrgico, 
a incorporar-me num caminho de vida e de amor. 
Numa história que Deus quer viver com cada uma das suas criaturas, 
e com toda a humanidade

Ao iniciar-se este Tempo do Advento, 
voltamos a celebrar o mesmo Mistério do ano passado; 
mas eu, tu, todos os humanos, estamos a viver problemas diferentes, 
com novos matizes. 
Por isso Deus aproxima-se da sua criatura com um novo olhar
Deus quer suscitar vibrações novas na nossa vida. 
Nesta vida humana onde a noite continua a ter demasiada força. 
A essa noite fazes referência na tua carta: a dor, a morte, a violência, 
a falta de fé e de esperança, as dificuldades para viver o amor… 
Perante este panorama, agradeço o teu pensamento, a tua palavra simples e profunda: 
A Palavra de Deus, mesmo silenciosa, atravessa a noite
para gerar depois a luz verdadeira que «não se apaga». 
E, de facto, este Tempo do Advento, e também cada um dos tempos do Ano Litúrgico, 
é um momento para colocarmos a nossa noite sob a luz purificadora da Palavra. 

Amigo, 
ao reler esta tua palavra numa carta recebida há já algum tempo, 
sinto que o meu espaço interior volta a vibrar; 
sinto-te por trás dessa palavra, 
e não posso deixar de me comover com a tua amizade; 
e sinto-me, igualmente, muito perto de ti e da vibração do teu espaço interior 
no momento em que a puseste por escrito. 
E algo disto me sucede agora, 
ao começar este novo Ano Litúrgico com o Tempo do Advento. 

Volto a escutar a Palavra de Deus, 
volto a celebrá-la na Eucaristia, cada domingo, 
ou nas solenidades do Mistério de Cristo, ou de Santa Maria, ou dos Santos 
que assimilaram e se incorporaram a este mistério de amor divino; 
e a minha noite, as minhas escuridões ou as minhas debilidades 
voltam a comover-se perante a luz da Palavra, 
as sugestões e convites do Mistério amoroso de Deus. 
Esta Palavra que me garante, neste primeiro domingo do Advento, 
que terei sinais a manifestar-se no meu caminho; 
uma Palavra que me oferecerá a sua sabedoria encarnada 
numas pessoas que me oferecem uma referência única face ao Mistério de Deus, 
como Isaías, João Batista, Santa Maria; 
uma Palavra que me garante que Deus cumpre a sua promessa, 
uma promessa cuja realização é a presença da justiça e do direito, 
e quer cumpri-la hoje na minha vida e na de todos os seus filhos; 
uma Palavra que me garante a sua graça e a sua paz, 
e que convida a escutá-la, a guardá-la no coração, 
atento à sua manifestação na minha vida, como uma luz para outros. 
Uma Palavra, enfim, que me interpela para escutar a Verdade 
e cumpri-la na minha própria vida, e não me resigne à mentira. 

E por cima de tudo isto, 
no pórtico do novo Ano já contemplamos um Deus compassivo, humano, 
que nos chama para escutá-lo e entrar no seu Mistério de amor. 
Apaixonante! Que Deus existe, como o nosso Deus? 

Desejo-vos uma feliz celebração e vida do Tempo do Advento 
– e amanhã, e depois de amanhã, um feliz Ano Litúrgico. 

José Alegre, Abad de Poblet 
blogs.periodistadigital.com
tradução de Lopes Morgado


Postado por Marcelino Paulo Ferreira | 2.12.12 | Sem comentários
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