— reflexão semanal sobre o credo niceno-constantinopolitano —
«Creio em um só Deus, Pai» — assim começa o «Símbolo Niceno-Constantinopolitano». Também o início da primeira pergunta que — na fórmula batismal — se faz aos catecúmenos (adultos que se prepararm para celebrar o Batismo) ou aos pais e padrinhos no batismo de uma criança é: «Credes em Deus Pai [...]? Mas como é que sabemos que Deus é Pai? [Para ajudar a compreender melhor, ler: Mateus 6, 5-15; Catecismo da Igreja Católica, números 232 a 240]
«Pai nosso que estás no Céu» — é a primeira expressão da oração que Jesus ensina aos discípulos. «Não sabemos o que seria ver Jesus rezar!... Aquilo que os discípulos puderam testemunhar devia constituir um espetáculo extraordinário de intimidade e confiança... e, compreensivelmente, pediram para ser iniciados nessa experiência. [...] Não é propriamente novo o pedido que os discípulos fazem. A novidade, a bem dizer, está do lado de Jesus. ‘Rezai, pois, assim: Pai nosso’[...]. Quando é que Jesus ensina o Pai-nosso aos discípulos? - Quando eles estão capazes de perceber Jesus como um acontecimento absolutamente novo. A oração é consequência, mais do que causa. É expressão da vivência, mais do que uma descoberta. O Pai-nosso nasce de uma caminhada. E é no culminar de uma etapa de maturação que o Pai-nosso é revelado. Nós também havemos de rezar o Pai-nosso, com verdade, quando percebermos, não apenas na linha da história e da sua espuma, mas no mais fundo de nós próprios, que Jesus Cristo traz a novidade de Deus. Talvez tenhamos para isso, como recomendava Fernando Pessoa, de ‘aprender a desaprender’. [...] Jesus faz-nos aceder a um limiar novo de Deus e da nossa humanidade» (José Tolentino Mendonça, «Pai-nosso que estais na Terra», Paulinas, Prior Velho 2011, 23.30).
Esta novidade sobre Deus revelada por Jesus aparece nos (quatro) evangelhos, que usam 170 vezes a palavra «Pai» para designar ou invocar Deus. Em Jesus Cristo, Deus revela-se como seu e nosso «Pai». Aliás, a expressão usada por Jesus é «Abbá», que quer dizer, literalmente, «Papá» ou «Paizinho». Trata-se de uma expressão carregada de intimidade e de amor. É esta a primeira pessoa de Deus: Pai, um Pai que ama os seres humanos como seus filhos.
Pai. Esta bela expressão usada por Jesus para designar ou invocar Deus pode, contudo, provocar equívocos. O principal é a comparação com a paternidade humana, com o nosso progenitor masculino. Em consequência, surgem antropomorfismos (imagens humanas de Deus) que deturpam a realidade divina. E dão origem a falsas imagens de Deus. Ninguém pode negar que a palavra «pai» contém uma carga emocional, positiva ou negativa, conforme a experiência concreta de cada um. Por isso, o uso do termo «Pai» em relação a Deus não pode ser senão analógico. De facto, não existe nenhuma palavra humana capaz de abarcar a totalidade do Mistério de Deus. Todas as expressões, mesmo que tenham sido pronunciadas por Jesus Cristo, só podem ser uma ajuda (e nunca um entrave) para nos aproximar do Mistério divino. Por outro lado, a utilização do termo «Pai» para designar a primeira pessoa de Deus pode levar-nos a pensar, consciente ou inconscientemente, que se trata de uma figura masculino. Ora, isto não pode corresponder à verdade. Deus não é homem nem mulher. O que na verdade Jesus Cristo nos ensina é que Deus é a origem e a fonte da vida. Como afirmou o Papa João Paulo I: «Ele é Pai, mais ainda, é Mãe». Aliás, já no Antigo Testamento, os profetas utilizam a maternidade para se aproximarem do Mistério de Deus. Não é mais fácil recorrermos à imagem materna para designarmos a misericórdia, a ternura, a bondade, o carinho, a beleza? A «ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela imagem da maternidade, que indica de modo mais incisivo a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a sua criatura» (Catecismo da Igreja Católica, 239). Neste contexto, o Papa Bento XVI interroga-se sobre o motivo pelo qual, na Bíblia, «mãe» é «uma imagem, mas não um título de Deus?». Talvez seja uma forma de Deus se diferenciar das divindades maternas adoradas pelos povos vizinhos, que «revelavam uma imagem da relação entre Deus e o mundo claramente contrária à imagem bíblica de Deus. [...] Pelo contrário, a imagem do pai era e é adequada para exprimir a alteridade entre Criador e criatura» (Bento XVI, «Jesus de Nazaré», A Esfera dos Livros, Lisboa 2007, 187).
Chamar a Deus «Pai» é um convite ao silêncio contemplativo e ao amor. É um convite a entrar numa relação filial. Até que dentro de nós possam ecoar as palavras do nosso Pai que está no Céu: tu és o meu filho muito amado!